ALERTA: pela retirada e mais debate sobre o PL 113/20, que amplia vigilância das plataformas sobre usuários

A Coalizão Direitos na Rede (CDR), rede de mais de cinquenta organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos humanos nos ambientes digitais, vem a público alertar contra os perigos do Projeto de Lei nº 113/2020, em discussão na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado Federal, nos termos da proposta do Senador Astronauta Marcos Pontes.

A CDR atua com prioridade em temas de acesso à Internet, liberdade de expressão, proteção de dados pessoais e privacidade. A regulação de plataformas digitais é pauta primordial em nossa história, iniciada na luta pela aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil e com novas proposições como o PL 2.630 de 2020, aprovado pelo Senado Federal. Vemos com muito espanto o PL 113/2020 ser incluído na pauta da Comissão sem nenhum diálogo com a sociedade, com um conjunto de propostas que desarticulam o sistema criterioso e ponderado de proteção de dados pessoais no âmbito da Internet, em particular de registros de conexão e acesso a aplicações.

A proposta original do Senador Angelo Coronel, apresentada em fevereiro de 2020, a fim de coibir a criação de perfis inautênticos na internet e enfrentar a proliferação de desinformação, previa apenas que provedores de aplicações de Internet exigissem CPF ou CNPJ de todos os seus usuários. Agora, priorizando a criação de meios para que órgãos de repressão respondam mais rápido a ilícitos civis e criminais online, o substitutivo do senador Astronauta Marcos Pontes, em síntese:

  • Inclui a  geolocalização no registro de acesso a aplicações de internet;
  • Permite a  Delegados de Polícia e a membros do Ministério Público o livre acesso a registros de conexão e de acesso a aplicações guardados  pelos respectivos provedores;
  • Permite a  Delegados de Polícia, a membros do Ministério Público e a  “autoridade administrativa que detenha competência legal” requerer aos respectivos provedores que guardem por mais tempo os  registros de conexão e acesso a aplicações de internet;
  • Permite a Delegados de Polícia, a membros do Ministério Público e a  autoridade administrativa competente o livre acesso a dados  cadastrais, cabendo-lhes garantir o sigilo e preservar os direitos  de titulares dos dados;
  • Eleva de 1  para 3 anos o tempo de guarda dos registros de conexão;
  • Eleva de 6  meses para 3 anos o tempo de guarda dos registros de acesso a aplicações de internet;
  • Revoga os  dispositivos do Marco Civil que estipulam prazos e exigem a necessidade de autorização judicial para acesso aos registros.

O Marco Civil da Internet, além de ser fruto de uma construção coletiva multissetorial nunca antes vista no ordenamento jurídico brasilero, representa a principal Lei responsável por reforçar e assegurar direitos aos usuários da Internet no Brasil. No entanto, o substituto do PL 113/2020 não só desconsidera a relevância e histórico de discussões sobre direitos digitais no Brasil como põe em risco garantias e salvaguardas de direitos humanos consolidadas no Brasil desde 2014 pelo Marco Civil da Internet, em especial a privacidade, a liberdade de expressão e o devido processo legal.

Entendemos ser relevante a evolução do ambiente regulatório brasileiro na direção de mais salvaguardas para usuários frente a ataques digitais. No entanto, a respeito do substitutivo em questão, vale reforçar que ele falha em apresentar dados empíricos relevantes e capazes de sustentar o pressuposto do substitutivo, de que os órgãos de repressão careceriam de instrumentos para coibir comportamentos online ilegais. O texto do dispositivo, portanto, pode acabar enfraquecendo a privacidade e liberdade de expressão de usuários da Internet ao tentar facilitar – por mecanismos burláveis – o provimento de mais dados pessoais em troca do acesso à plataformas digitais.

Por fim, vale dizer que outra falha estrutural do projeto de lei e substitutivo em questão é alimentar ainda mais os modelos de negócios das plataformas digitais com dados pessoais sensíveis dos brasileiros. Ao longo dos últimos anos o país evoluiu consideravelmente no desenvolvimento de salvaguardas e leis contra o modelo de negócios abusivo de plataformas digitais e leis como a Lei Geral de Proteção de Dados foram implementadas para colocar limites às atividades de tratamento de dados por atores privados e oferecer remédios para os abusos praticados. O texto, portanto, segue na contramão de conquistas relevantes uma vez que sua principal medida é aumentar a coleta de dados de usuários e estabelecer o fornecimento de CPF como contrapartida mínima para o acesso a plataformas digitais.

Nessa linha, aderimos aos três pontos técnicos apontados pelo Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS1, no sentido de que o PL 113/2020: 1) ignora três anos de debate em torno do PL 2630/2020 e apresenta propostas inadequadas e simplistas; 2) autoriza genericamente o acesso sem ordem judicial a dados pessoais, facilitando abusos por parte de autoridades e reduzindo garantias da população; 3) ao elevar o tempo de guarda dos registros, não avalia os impactos na proteção de dados pessoais em termos de segurança da informação, capacidade técnica e porte econômico das empresas, recursos de armazenamento, etc.

Ainda, a CDR destaca que o senador Astronauta Marcos Pontes promove grave desequilíbrio em sua proposta. Permitir que qualquer Delegado de Polícia acesse dados pessoais sensíveis sem exigência de autorização judicial basicamente confere salvo conduto para abusos, eliminando qualquer possível controle externo, comprometendo a segurança de quem usa a internet no Brasil.

Reforçamos o valor de normas legais que protejam direitos humanos fundamentais, em especial no uso da Internet, que cada vez mais se estabelece como meio e instância para o exercício da cidadania. Um ambiente digital seguro e equilibrado para todas as pessoas não será alcançado com o enfraquecimento de garantias legais nem com a proliferação de normas não uniformes. Nesse sentido, seria urgente a retomada dos debates a respeito do Projeto de Lei n. 2.630/2020, que “Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, por considerarmos este texto mais avançado e equilibrado.

Conclusão

  1. Instamos a Comissão de Comunicação e Direito Digital a retirar o  projeto de pauta e a convocar uma audiência pública, de modo que esses aspectos possam ser devidamente debatidos. O Brasil precisa  alcançar consensos proporcionais e efetivos no enfrentamento de problemas reais como a desinformação, mas sem ceder a medidas autoritárias. É com mais direitos, especialmente à proteção de dados e à transparência na operação das plataformas digitais que poderemos ter um ambiente digital saudável. Nesse sentido, cumpre salientar a importância da aprovação do Projeto de Lei 2630 pela Câmara dos Deputados e, posteriormente, pelo Senado Federal.
     
  2. Convidamos o Congresso, inicialmente na Câmara dos Deputados e  posteriormente no Senado Federal, a retomar o debate do Projeto de lei 2.630/2020, por considerarmos este uma proposta mais equilibrada de proteção de direitos dos usuários ante os abusos promovidos  por Plataformas de redes sociais.

Brasília, 13 de dezembro de 2023

1 https://irisbh.com.br/publicacoes/nota-tecnica-sobre-o-projeto-de-lei-no-113-2020/.