Senadores, precisamos falar sobre Inteligência Artificial

Sociedade civil e especialistas da CDR são deixados de fora das audiências públicas na CTIA

As entidades abaixo subscritas, reunidas na condição de membros da Coalizão Direitos na Rede (CDR) – coletivo que reúne 55 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, valorizam a iniciativa do Senado Federal ao criar a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) para examinar, no prazo de 120 dias, os projetos de lei concernentes ao relatório final aprovado pela Comissão de Juristas responsável por subsidiar a elaboração de substitutivo sobre Inteligência Artificial (IA) no Brasil, bem como eventuais novos PLs que disciplinem a matéria.

A inteligência artificial é uma tecnologia que tem o potencial de impactar todos os aspectos da nossa vida. Por isso, é fundamental que a sua regulação no Brasil seja feita de forma justa e inclusiva, com a participação de todos os setores da sociedade, inclusive da sociedade civil, considerando os mais diversos marcadores sociais. Até o momento, a  indicação de nomes realizada pelos Senadores para audiências públicas na  CTIA chamou a atenção pela falta de diversidade e a não inclusão da sociedade civil de forma significativa. 

Ressalta-se que a CDR encaminhou, com antecedência às audiências públicas, uma lista com 38 nomes dos mais diversos especialistas, lista essa que não foi levada em consideração, já que as indicações publicizadas no site da CTIA até então priorizam de forma desproporcional o setor governamental e a indústria, deixando de lado associações, fundações, sindicatos e outras organizações não-governamentais da sociedade civil que representam os interesses populares. 

Além disso, há disparidade gritante quanto aos aspectos de diversidade. Quase todas as pessoas indicadas são homens brancos, do eixo Centro-Oeste/Sudeste. Não há, ou há de maneira ínfima, mulheres, pessoas negras, quilombolas, indígenas, LGBTQIA+, e outros grupos historicamente marginalizados e que são diretamente afetados pela tecnologia. Por exemplo: há 38 nomes indicados no portal da CTIA até o último 18 de outubro, com algumas indicações duplicadas. Dessa lista, que prioriza o setor governamental e indústria, há 32 homens e 6 mulheres, sendo apenas 2 pessoas negras. Em relação à região, pelo menos 84% das indicações são de Brasília e São Paulo. 

Preocupados com o avanço do debate no contexto exposto acima, a CDR realizou reuniões com assessorias de Senadores, a fim de trazer luz ao problema que se apresenta e se colocar à disposição para colaborar nos esforços. Apenas um representante da sociedade civil foi incluído após essas conversas, resultando ainda em falta de representação significativa e sem a necessária diversidade a qual apontamos.

Outro problema que acompanha este processo é a opacidade a respeito dos trâmites e andamentos internos da Comissão, já que, por exemplo, foi publicizada a realização de audiência pública apenas na semana de sua realização, sem a devida transparência e a publicidade – preceitos norteadores na gestão pública sobre os nomes dos participantes e como eles estão sendo escolhidos. A abertura para recebimento de contribuições escritas e a sua disponibilização na página da CTIA, assim como foi feito durante os trabalhos da Comissão de Juristas, também é uma boa prática legislativa atualmente ausente, mas importante para a pluralidade de contribuições e eficiência da gestão documental de subsídios.

O que está em jogo?

A regulação e formulação de políticas públicas sobre IA no Brasil envolve uma série de temas controversos e complexos, como segurança pública, saúde, emprego, acesso a direitos, proteção de dados, direito autoral, direito ambiental, discriminação e polarização política. É fundamental que todos os setores da sociedade, em especial a sociedade civil, sejam representados nas audiências públicas para que esses temas sejam discutidos de forma abrangente e responsável, com destaque para a inclusão de marcadores sociais de forma interseccional.

Solicitamos, assim, que os Senadores integrantes da CTIA reconsiderem a lista de indicações da CDR, convoquem pessoas representantes da sociedade civil, com especial atenção aos variados marcadores sociais que traduzem a população brasileira, ampliem modos de contribuição e pratiquem a transparência ativa durante os trabalhos desta Comissão e na organização das audiências públicas.

Solicitamos, ainda, que o debate não ocorra de forma acelerada, como aconteceu na Câmara dos Deputados. Como já explicitado em nossa Nota Técnica sobre o PL 2338/2023, há diversos desafios ainda pouco explorados, como os riscos da IA generativa e os impactos ambientais. Assim, é imaturo e contraproducente vislumbrar a finalização do processo legislativo no Senado para a regulação da IA até o final de 2023.

Certos da apreciação por parte desta Comissão, a Coalizão Direitos na Rede reforça sua disponibilidade para dialogar e contribuir com esses debates, de modo a garantir a elaboração de uma norma representativa da sociedade brasileira e promotora de direitos.

OBS: após algumas conversas de membros da CDR com as assessorias dos senadores, alguns membros da sociedade civil foram convidados para participar de algumas das audiências públicas na CTIA. Tal iniciativa é louvável, porém ainda há espaço para melhoria em termos de inclusão de mais membros da sociedade nestas conversas e esforços mais ativos em prol da transparência sobre como os processos internos irão se desenrolar, de forma a permitir que o processo de criação de uma Marco Legal de IA seja o mais democrático e aberto possível.

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