Por uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados independente e livre de jabutis

Confira a análise da CDR sobre a Medida Provisória nº 1.124/2022 aprovada pela Câmara dos Deputados, que transforma a ANPD em autarquia de natureza especial; Senado Federal tem até o dia 24/10 para votar a MP

Na terça-feira (11/10), a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória n°1.124/2022, que concede independência administrativa e financeira para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão federal responsável por fiscalizar e aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

As 29 emendas propostas à MP na Câmara dos Deputados foram rejeitadas. Agora, o texto que transforma a ANPD em autarquia de natureza especial segue para o Senado Federal, que tem até o dia 24 de outubro para apreciá-lo antes que expire a sua validade.

A ANPD tem a função de editar normas e fiscalizar procedimentos para proteção de dados pessoais, bem como aplicar sanções. A aprovação da MP prevê mudanças estruturais no órgão, como regras para requisição de pessoal, transferência de patrimônio e de pessoal e a previsão de um ato para regulamentar a transição da ANPD de órgão vinculado à Presidência a autarquia independente.

*Com informações da Agência Câmara de Notícias e da Agência Senado

Confira abaixo a análise da Coalizão Direitos na Rede sobre a Medida Provisória nº 1.124/2022

POR UMA AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS INDEPENDENTE E LIVRE DE JABUTIS

Análise da Medida Provisória nº 1.124/2022 e das emendas parlamentares

A Coalizão Direitos na Rede reúne mais de 50 organizações de pesquisa e defesa de direitos digitais, da liberdade de expressão e direitos do consumidor. Apresentamos nossas considerações sobre a MP 1.124/2022, a ser votada pelo Congresso em breve, sugerindo orientações em relação às emendas parlamentares. 

É fundamental e urgente a transformação da  Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em uma autarquia de natureza especial, com independência técnica, administrativa e financeira, por meio da aprovação da MPV nº 1.124/2022. No entanto, a Medida Provisória deve ater-se exclusivamente à conversão da ANPD e questões correlatas, não podendo servir de carona para alterações indevidas e de ordem material na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que deveriam ser examinadas seguindo o procedimento legislativo comum, sob a via ordinária de projetos de lei. 

Assim, concordamos, em parte, com o parecer do relator Dep. Jerônimo Goergen (PP-RS) no sentido de aprovação da medida provisória, porém defendemos a aprovação de emendas que avancem na garantia de autonomia da ANPD e na qualificação de integrantes do Conselho Diretor, a fim de evitar captura, conflitos de interesses, dentre outras disposições.

A Medida Provisória nº 869/2019, convertida na Lei nº 13.853/2019, instituiu uma autoridade vinculada à administração pública direta, mas estabelecendo a possibilidade de ser transformada pelo Poder Executivo em autarquia especial. A avaliação dessa reestruturação deveria ocorrer até novembro de 2022. Em junho, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 1.124, que transformou a ANPD em autarquia de natureza especial, respondendo a antigos anseios da sociedade civil e setor privado. Contudo, inúmeras propostas legislativas sem conexão com o texto original buscam “pegar carona” no regime de tramitação acelerado da MP, arriscando deteriorar o processo legislativo transparente e negociado, de mais de uma década da LGPD.

Assim, nos posicionamos em defesa da independência da ANPD e pela manutenção da integralidade da LGPD

PELA INTEGRALIDADE DA LGPD E CONTRA EMENDAS “JABUTIS” 

Há uma série de emendas parlamentares que devem ser rejeitadas de antemão, independente de mérito, pois alteram significativamente o conteúdo e o escopo da LGPD, comprometendo a efetividade da lei e sua origem multissetorial e participativa. Estão incluídas neste grupo emendas sobre: transparência pública, crianças e adolescentes e criação de tipo penal (estas são as emendas de número 11, 12, 15, 19, 22, 24, 27, 29, 23,  26 e 9).

As emendas sobre estes temas não possuem vínculo com a matéria original da MP nº 1.124/2022, relativa à autoridade em si, sendo contraproducente, por inviabilizar o debate público, multissetorial e qualificado. 

A ESTRUTURAÇÃO DA ANPD E EQUIPARAÇÕES À LEI DE AGÊNCIAS 

Há emendas que guardam relação com o tema original da medida provisória, relacionadas a dúvidas na estruturação da ANPD, que merecem análise mais detida: 

  1. Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade: propõem mudança na composição do CNPD, desfigurando a composição não-paritária originalmente instituída. Qualquer alteração na composição deveria ser discutida em espaço apropriado, seguindo o processo legislativo ordinário. Nesse sentido, defende-se a rejeição das emendas SF EMD 14/2022 e SF EMD 10/2022.
  2. Diretores da ANPD: trazem regras da Lei das Agências Reguladoras (LAR, Lei n° 13.848/2019), como o aprimoramento dos critérios para escolha dos diretores, vedações para balizar sua conduta e atuação e tempo de mandato em acordo com a LAR. Entendemos que essas propostas são importantes para garantir autonomia e evitar captura e conflitos de interesses. Nesse sentido, defende-se a aprovação das emendas SF EMD 3/2022, SF EMD 4/2022; SF EMD 2/2022 e SF EMD 6/2022 ou SF EMD 8/2022
  3. Transformação da ANPD em agência reguladora: Por mais que positiva em alguns aspectos, entendemos que a transformação da ANPD em agência deveria ter sido parte central do texto original da MP, demonstrando interesse do Executivo. Ainda, enquanto agências reguladoras “clássicas” supervisionam a exploração de uma atividade econômica, sobre um setor específico  da economia, as Autoridades de Proteção de Dados possuem escopo mais amplo, com enfoque transversal em diversas searas econômicas, monitorando também tratamento de dados realizadas pelo poder público. Assim, defende-se a redação original da MP para tornar a autoridade uma autarquia em regime especial e defende-se a rejeição da emenda SF EMD 7/2022 e aprovação da emenda SF EMD 5/2022 ou SF EMD 8/2022 que qualifica a autonomia da autoridade.
  4. Fundo de Direitos Difusos: estabelecem que o valor arrecadado das sanções destinado ao FDD deve ter “a finalidade de promover projetos e iniciativas relacionados à privacidade e proteção de dados pessoais.” Pode-se entender que esta vinculação está relacionada ao funcionamento e independência financeira da ANPD, podendo ser discutida no âmbito da MP. No entanto, considerando a dificuldade que as sanções aplicadas pela ANPD sejam atreladas ao tema, dada a complexidade das regras e operação do fundo, entendemos que qualquer mudança em seu funcionamento deve ocorrer em rito e norma próprios, inclusive com a oficialização de participação da ANPD na composição do Fundo. Assim, defende-se a rejeição das emendas 25/2022 e 20/2022

Assim, em síntese, nos posicionamos a favor/contra das seguintes emendas:

EMENDAS TEMARECOMENDAÇÃOJUSTIFICATIVA 
SF EMD 11/2022; SF EMD 12/2022SF EMD 15/2022;SF EMD 19/2022SF EMD 22/2022SF EMD 24/2022SF EMD 27/2022SF EMD 29/2022Proteção de Dados e Transparência PúblicaRejeiçãoSão jabutis. Não possuem vinculação com o texto original da MP nº 1.124/2022 e arriscam prejudicar a integridade da lei, em seu conteúdo e origem democrática.
SF EMD 23/2022;SF EMD 26/2022Criança e adolescenteRejeição
SF EMD 9/2022 CriminalRejeição
SF EMD 14/2022;SF EMD 10/2022 Organização interna (CNPD)RejeiçãoDesmantela a organização paritária do CNPD. Procedimento específico.
SF EMD 25/2022;SF EMD 20/2022 Organização interna (FDD)RejeiçãoComplexidade do FDD. Procedimento específico.
SF EMD 2/2022;
SF EMD 3/2022SF EMD 4/2022SF EMD 5/2022SF EMD 6/2022SF EMD 8/2022 (junção das EMDs 2-6)
Organização internaAprovaçãoEstrutura da ANPD e regras de equiparação à Lei de Agência Reguladora, garantindo autonomia e evitando conflitos de interesse.
SF EMD 7/2022Organização internaRejeição

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