No contexto do processo de adaptação das concessões de telefonia fixa para autorizações para a exploração de múltiplos serviços, que hoje envolve as empresas Oi, Vivo, Claro, Algar e Sercomtel, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e o Tribunal de Contas da União (TCU), estamos cada vez mais próximos de perder um patrimônio público com valor estimado pelo próprio TCU de aproximadamente R$ 121 bilhões. São bens que dizem respeito à soberania tecnológica do Brasil – redes públicas de cobre e fibra ótica que dão suporte a telefonia e a internet e seus respectivos dutos implantados por todo o país, prédios, torres, contratos etc. A perda desses bens significará o fim da oportunidade de reverter esses recursos para políticas públicas de universalização do acesso e de promoção da conectividade significativa.
A gravidade da situação se acentua com o acordo que viabilizará a migração dos contratos de concessão para autorização da Oi, pois, caso o resultado do processo instaurado seja favorável à empresa, os investimentos totais a serem feitos chegariam no máximo a R$ 10,4 bilhões. Além disso, TCU e Anatel acabarão livrando a empresa da maior parte das obrigações da concessão e evitando que o valor dos bens reversíveis seja alvo de disputa judicial.
Isso ocorre porque, em dezembro de 2022, o TCU baixou a Instrução Normativa nº 91 que criou a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) e estabeleceu “procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal”. No fundo, trata-se de câmaras privadas com processos decisórios pouco ou nada transparentes.
Soma-se a isso o fato de que, neste ano de 2024, o TCU afirmou que, nos procedimentos instaurados para chegar a um consenso, ainda que a auditoria aponte empecilhos para o acordo, o Plenário poderá decidir em contrário. No caso específico de negociação entre Oi e Anatel, a agência decidiu dar tratamento sigiloso aos termos da negociação costurada com a Oi e mediada pelo TCU, que inicialmente envolviam valores da ordem de R$ 12 bilhões a R$ 19,9 bilhões e que agora poderão ser reduzidos praticamente pela metade. Chama a atenção o fato de que, caso o processo continue sendo conduzido dessa forma, o TCU se posicionaria contra os próprios acórdãos publicados nos anos anteriores, que não só definiram o valor de R$ 121,6 bilhões de saldo da, como também apontou a incapacidade da Anatel de fiscalizar as concessões, levantou a possibilidade de ter havido malversação dos recursos públicos e solicitou a revisão da metodologia de cálculo do valor dos bens reversíveis empregados pela agência a partir do relatório feito por uma consultoria espanhola.
Por último, é aviltante a recente declaração do Conselheiro Alexandre Freire, membro do Conselho Consultivo da Anatel que afirmou que “a solução consensual pode apresentar desfecho diverso do que no estado de normalidade institucional ocorreria, uma vez que haverá suspensão episódica da legislação de regência e dos precedentes da Agência, formando uma necessária jurisprudência de crise”, aumentando a atual segurança jurídica e institucional e, no limite, ameaçando a nossa democracia por ignorar as leis existentes.
Nesse contexto, a Coalizão Direitos na Rede (CDR) apresentou nesta quarta-feira 08/05 pedido de tutela antecipada para que a negociação entre Oi, Anatel e TCU seja suspensa até que os valores envolvidos sejam definidos e que haja garantias de que o processo ocorrerá dentro dos marcos legais. Esta não é só uma forma de defender recursos do Estado, portanto de toda a sociedade brasileira, e promover políticas públicas de universalização do acesso e de conectividade significativa, mas também uma iniciativa para tentar proteger nossos direitos individuais, já que o acesso à internet é fundamental ao exercício da cidadania (Marco Civil da Internet – Lei 12965/14).