No último dia 03 de maio, foi protocolado pelo senador Rodrigo Pacheco o projeto de lei n° 2338 (PL 2338/23), que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. O texto transformado em projeto de lei é fruto de meses de trabalho da Comissão de Juristas responsável por subsidiar elaboração de substitutivo sobre inteligência artificial no país (CJSUBIA) que, ao longo de 2022, contou com participação democrática a partir de consultas e audiências públicas, com colaboração multissetorial e multidisciplinar, além de regional, nacional e internacional. A Coalizão Direitos na Rede (CDR) saúda o ato político de conversão da minuta da CJSUBIA em projeto de lei, tornando-se um passo importante em direção a uma regulação participativa, responsável e efetiva da IA no Brasil.
O novo PL é reflexo de um processo contínuo de debates sobre IA, que vem desde meados de 2021, com a publicação da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), passando pelos diferentes projetos de lei sobre o tema protocolados no Congresso Nacional, aprovação da urgência de tramitação do PL 21/20 e até a recente introdução do PL 2338/23 no Senado Federal. Dito isso, este novo texto não deve ser encarado a partir de uma ideia de rivalização com os demais anteriores, mas entendido como continuidade dos debates já iniciados nas casas do Legislativo, a partir de discussões mais robustas e substanciais de forma multissetorial e interdisciplinar – o que é fundamental que seja mantido em suas futuras discussões, com espaço cada vez maior de atuação de grupos possivelmente afetados pelos sistemas de IA, especialmente minorias e comunidades vulnerabilizadas.
Nesse contexto, é válido relembrar que o PL 21/20, em sua redação aprovada pela Câmara dos Deputados em setembro de 2021, é insuficiente ante os novos e constantes desafios e evoluções da tecnologia, a exemplo da tão difundida IA generativa. Assim, a Coalizão Direitos na Rede vem à público manifestar-se pela importância do tema e da conversão do texto da CJSUBIA em efetivo projeto de lei para que a regulação de IA avance no país, especialmente garantindo a continuidade das discussões públicas com participação da comunidade técnica-científica nesse processo regulatório.
O novo PL 2338/23 é um passo importante em direção ao correto equilíbrio entre o estabelecimento de direitos e de ferramentas de governança, além da previsão de um arranjo institucional de fiscalização e de supervisão, de forma a proteger direitos fundamentais ao mesmo tempo em que garante o avanço da inovação e do desenvolvimento econômico-tecnológico no país.
A partir de uma abordagem regulatória baseada em riscos e em direitos (risks and rights-based approach), o texto do PL cria uma regulação assimétrica dos agentes regulados, com obrigações mais ou menos fortes de acordo com o nível de risco do sistema de IA, o que será determinado a partir de uma avaliação preliminar. Assim o PL estabelece direitos e medidas de governança básicos deflagrados por toda ferramenta de IA, mas também cria certos direitos e obrigações específicos para os casos potencialmente mais arriscados. Ao mesmo tempo, o projeto define que as medidas de governança dos sistemas de IA devem ser aplicadas ao longo de todo o seu ciclo de vida (desde a concepção até o seu encerramento/descontinuação).
Como destaque, o PL 2338/23 define os sistemas de IA de alto risco a partir da finalidade de sua utilização, com a possibilidade de atualização pela autoridade competente a partir de critérios qualitativos, como uso em larga escala, potencial afetação de direitos fundamentais, impacto em grupos vulneráveis, etc. Nesse cenário de sistemas de alto risco, o PL dá especial atenção à figura da avaliação de impacto algorítmico, obrigatória para esses casos.
Somado a isso, o projeto também é relevante pela previsão de uma regulação colaborativa entre todos os setores interessados, mas especificamente prevendo a designação de uma autoridade competente para zelar pela implementação da lei. Tal autoridade é, nos termos da proposta, sujeita a regras específicas de prestação de contas, como a necessidade de realização de audiência pública e análises de impacto regulatório antes da edição de regulamentos e normas.
Por todos os argumentos aqui levantados, fica claro que o movimento que possibilitou a propositura do PL nº 2338/23 insere o Brasil na mesma trilha percorrida por países e entidades internacionais, como a União Europeia, Estados Unidos, Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), National Institute of Standards and Technology (NIST), Conselho da Europa, UNESCO e OCDE, afastando-se da falsa premissa de que uma regulação não meramente principiológica representaria um entrave à inovação, de forma a garantir a aliança entre proteção de direitos fundamentais e o desenvolvimento econômico.
Nesse sentido, a Coalizão Direitos na Rede e as entidades abaixo assinadas saúdam a conversão da minuta de substitutivo elaborada pela CJSUBIA em projeto de lei no Senado Federal. Voltamos a reforçar a necessidade de que a continuidade das discussões acerca da regulação de IA no Brasil seja realizada no âmbito do PL 2338/23 e de forma participativa e responsável, a servir de exemplo global. No mais, a CDR e demais entidades se colocam à disposição para contribuir nessa construção.
Brasília, 13 de junho de 2023.
Coalizão Direitos na Rede