CDR protocola recurso ao MPF pedindo investigações sobre ‘degustação’ de dados pessoais

No último dia 28 de junho, o Ministério Público Federal de Pernambuco determinou o arquivamento do procedimento preparatório relativo à apuração de informações acerca dos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) nº 16/2021 e 27/2021, celebrados entre a Secretaria de Governo Digital e a FEBRABAN e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), respectivamente.

Os acordos previam às associações de bancos a concessão de acesso temporário aos dados pessoais armazenados no Banco de Dados da Identificação Civil Nacional (BDICN) e na plataforma gov.br, iniciativa do governo federal de centralização e digitalização de seus serviços públicos. Vale pontuar que o BDICN envolve dados de larga parcela da população brasileira, inclusive dados biométricos, considerados sensíveis nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Considerando a repercussão midiática em torno de tais acordos e o interesse público sobre a temática – especialmente em razão da nomenclatura “degustação experimental”, que foi utilizada nos ACTs -, foi instaurado procedimento preparatório pelo Ministério Público Federal de Pernambuco para a apuração de informações, a partir de representação oferecida pelo Deputado Federal Carlos Veras (PT/PE).

A celebração destes acordos de cooperação técnica foi objeto de questionamentos da sociedade civil. Previamente à instauração do procedimento preparatório, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, entidades membras da Coalizão Direitos na Rede, enviaram ofícios à Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) e à Secretaria de Governo Digital (SGD), vinculada ao Ministério da Economia, respectivamente, com intuito de sanar dúvidas que orbitavam estes acordos. Recentemente, seis meses após o envio das notificações, o Idec foi informado pela ANPD que os acordos que previam a autenticação de dados entre a base de dados do serviço de Identificação Civil Nacional (ICN) e associações/federações bancárias não serão mais firmados.

Apesar de estarem definitivamente interrompidos, diversos são os problemas que pairam sobre esses ACTs e os demais acordos envolvendo bases de dados governamentais. Os termos dos documentos, por exemplo, não permitiam identificar quais eram exatamente as operações de tratamento de dados envolvidas. Tampouco eram claros sobre a delimitação de base legal para essa operação de tratamento de dados – uma das exigências estabelecidas pela LGPD -, tampouco era possível delimitar qual o interesse público por trás do intercâmbio de dados pessoais sensíveis detidos geridos por órgãos públicos com instituições bancárias.

Além do mais, os termos dos acordos apresentavam problemas no que diz respeito ao exercício de direitos por parte dos cidadãos titulares dos dados pessoais objeto da “degustação”. Não haviaá, por exemplo, sinalização de que cidadãos possuíam canais com a Secretaria de Governo Digital ou as associações bancárias para ter livre acesso a seus dados tratados, retificá-los ou solicitar sua exclusão.

De forma semelhante, a despeito dos questionamentos de organizações da sociedade civil, em nenhum momento foram apresentadas avaliações de impacto e risco sobre os acordos, o que apenas reforça seu potencial de violação a direitos dos cidadãos.

Nesse sentido, a falta de transparência e de delimitação de interesse público aprofunda as assimetrias de poder e de informação entre Estado, instituições bancárias e cidadãos, de modo a colocar os titulares de dados em uma posição de maior vulnerabilidade, o que resulta em uma potencial violação de sua autodeterminação informativa.

Apesar das diversas questões que circundam a celebração desses acordos, o MPF/PE decidiu pelo arquivamento do procedimento preparatório, por considerar que a Secretaria de Governo Digital respondeu de forma satisfatória os questionamentos realizados sobre os acordos. Este argumento não é, contudo, corroborado pela Coalizão Direitos na Rede, razão pela qual esta entidade apresentou recurso administrativo em face da decisão de arquivamento.

A Coalizão segue acompanhando o procedimento preparatório e pressionando as autoridades públicas na busca de interromper violações aos direitos dos cidadãos.

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