Frances Haugen apoia regulação de big techs e diz que Meta pode melhorar investimento para combater desinformação nas eleições

Em visita ao Brasil, a denunciante responsável pelo vazamento dos Facebook Papers falou sobre a conivência da big tech de Zuckerberg com a circulação de desinformação e discurso de ódio em prol do lucro, e afirmou: “o gigante corporativo falhou”

Nos dias 4 e 5 de julho, a engenheira e cientista de dados Frances Haugen, responsável pelo vazamento dos Facebook Papers — que revelou práticas nocivas da big tech em prol do lucro, inclusive atingindo o público infantil e adolescente — esteve no Brasil e realizou dois encontros com a Coalizão Direitos na Rede.

O primeiro em um espaço fechado de articulação com organizações da sociedade civil em defesa dos direitos humanos, realizado no hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo (SP); e o segundo em audiência pública da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).

A ex-funcionária do Facebook reafirmou muitas de suas críticas públicas em relação à permissividade da Meta com a circulação de desinformação e discursos de ódio nas suas plataformas, e a falta de políticas e investimentos para coibir (moderação de conteúdo) esses fenômenos em países do Sul Global não falantes da língua inglesa como o Brasil.

“Como vamos fazer com que as pessoas se sintam seguras nas plataformas? Eu entrei no Facebook para trabalhar no time integridade cívica em 2016 quando o discurso de ódio crescia. E as coisas mais malucas acabavam sendo mais distribuídas”, explicou Frances na reunião com as entidades brasileiras, que saudou como uma importante iniciativa para se contrapor ao poderio das big techs. “A gente se reunir nessa sala hoje é um ato de resistência”, afirmou.

Em ambos os encontros, a denunciante criticou com ênfase o modelo de funcionamento das grandes empresas de tecnologia e a falta de transparência, especialmente o Facebook (Meta), que apostou em se fechar para não ser engolido por seus concorrentes – com destaque nesse ponto para o crescimento da chinesa TikTok.

“Nós precisamos saber como esses sistemas funcionam e como operá-los. Eu não falo para as pessoas saírem das redes sociais, mas precisamos pensar no relacionamento que temos com essas plataformas. O gigante corporativo falhou”, cravou Haugen, indicando ainda a necessidade de as comunidades passarem a desenvolver seus sistemas juntos, sem depender apenas das big techs.

Frances Haugen em reunião com organizações da sociedade civil em São Paulo


Regulação de plataformas

Segundo Frances Haugen, a transparência não é uma prioridade da Meta. “O Facebook tem negado acesso as suas informações. Eles não querem que o ecossistema de responsabilização funcione, não querem que pesquisadores acadêmicos entendam o que ocorre lá”, explica.

A engenheira diz que é favorável às legislações que regulem as plataformas digitais, como a europeia Digital Services Act, e também se mostrou empolgada com o PL 2630/20, a matéria mais avançada no país neste sentido.

“É urgente uma regulação para a atuação das plataformas. Atribuir responsabilidade para essas empresas é um debate que ocorre em todo o mundo e no Brasil não pode ser diferente”, disse. “Estamos bem no começo da nossa jornada em todo o mundo em termos de accountability. O Brasil merece saber o quanto o Facebook (Meta) está investindo em transparência. Esse projeto de lei é muito promissor”, completou.

Representando a Coalizão Direitos na Rede na audiência pública, a jornalista Bia Barbosa lembrou aos parlamentares presentes na sessão “que nós não vamos dar conta dessa agenda que a Frances Haugen nos aponta hoje, se não avançarmos em medidas regulatórias para as plataformas. Precisamos aprimorar e avançar no Projeto de Lei 2630, que não pode ser engavetado”.

Frances Haugen e Bia Barbosa em audiência pública na Câmara dos Deputados

Eleições 2022

Na audiência pública, os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Rui Falcão (PT-SP) explicaram para Frances Haugen que há grande preocupação da sociedade brasileira com o papel das plataformas nas eleições gerais de outubro após a experiência negativa no pleito de 2018, relacionada aos problemas dos disparos em massa no WhatsApp.

“Em se tratando de eleições, o Brasil é mais dependente dos produtos do Facebook do que os EUA. O maior fator de desinformação é ‘recompartilhamento’. O WhatsApp poderia cortar a cadeia de compartilhamento para até duas pessoas. Eles reduziram esse número para cinco pessoas [em comparação ao número ilimitado de antes] e dizem: ‘estamos fazendo alguma coisa'”, critica Frances, salientando que esta aplicação da Meta poderia fazer mais.

No entanto, ela acredita que ainda é possível incidir para garantir maior segurança e lisura nas campanhas eleitorais dentro das plataformas. “Ainda temos tempo antes das eleições para implementar muitas coisas para combater desinformação nas plataformas da Meta. E o Brasil merece o mesmo tipo de investimento que outros países”, concluiu.

Assista a audiência pública:

Por Enio Lourenço (matéria e fotos)