Expositoras do GT Acesso da Coalizão Direitos na Rede demonstram como essa relação entre operadoras e empresas de tecnologia é um dos motores da desinformação no país
No dia 31/05, o dia 0 do Fórum da Internet no Brasil (FIB) 12, o grupo de trabalho para os temas de acesso (GT Acesso) da Coalizão Direitos na Rede organizou o painel “Acesso à internet: fim dos planos baseados na suposta escassez”, que problematizou o modelo zero rating.
O zero rating é uma prática realizada por operadoras de telefonia e algumas empresas de tecnologia (destaque para a Meta), que permite o acesso “gratuito”, ou sem cobrar o tráfego de dados móveis, a alguns serviços online, como aplicativos de rede sociais e de mensageria.
Paloma Rocillo, vice-diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) e ponto focal do GT Acesso; Flávia Lefèvre, advogada especializada em telecomunicações e integrante da Coalizão Direitos na Rede; e Camila Leite, advogada do programa de direitos digitais e telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) conduziram as conversas no formato de uma mesa redonda com a proposta de facilitar a interação entre as expositoras e o público.
Segundo Paloma, um dos objetivos dessa atividade era levantar os principais argumentos a favor da superação do modelo de franquia limitada de internet móvel, assim como entender os argumentos do outro lado, das empresas de telecomunicações, e como elas se organizam para manter esse modo de operação “que representa uma violação de um direito humano, um direito fundamental”.
“O Marco Civil da Internet (MCI) afirma que o acesso à internet é um serviço essencial. A limitação do acesso em razão do término da franquia de dados está diretamente ligada à desinformação, uma vez que o usuário não consegue clicar na notícia que ele recebeu pelo aplicativo de mensagens, por exemplo, ou ir atrás de outras fontes, se ele não tem acesso à internet ilimitado”, diz.
Ela também ressalta que o fato de ser ano eleitoral, em que o debate sobre desinformação está muito presente no noticiário e nas redes sociais, foi uma das motivações para colocar o zero rating na pauta do FIB 12.
“Nos pareceu estratégico falar sobre esse tema, trazer à tona o modelo de franquia de internet móvel vigente no Brasil para atrair o olhar da mídia e da população em geral para essa pauta que muitas vezes não é tão visibilizada”, complementa Paloma.
Zero rating e desinformação
Flávia Lefèvre lembrou que 96% dos usuários de internet das classes D e E e 60% dos usuários da classe C acessam a internet exclusivamente por dispositivos móveis, com base em planos de baixas franquias (3 GB/mês), que, a partir do esgotamento do volume de dados contratados, somente permitem o acesso ao Facebook e ao WhatsApp.
“Estamos falando de mais de 100 milhões de pessoas nessa condição limitada e precária, como reconhece a Anatel. Por isso as campanhas de desinformação investem em disparos em massa pelo WhatsApp e postagens no Facebook, que tem o tráfego dos dados financiado pela Meta, que precisa coletar o o máximo de dados possível e veicular publicidade o máximo possível”, explica.
Flávia ainda afirma que o modelo de franquias de internet móvel viola o princípio da continuidade do serviço essencial, como é o caso da conexão a Internet (disposto no artigo 7º do MCI), bem como a franquia associada ao zero rating também viola o artigo 9° do MCI, que versa sobre a obrigação de neutralidade da rede, “na medida em que fica claro que há inequívoca discriminação dos pacotes de dados por aplicação”, pontua.
Barreiras e limitações no acesso à internet móvel e hábitos de uso e navegação na rede nas classes C, D e E
Na mesa redonda, a advogada Camila Leite apresentou dados do levantamento “Barreiras e limitações no acesso à internet móvel e hábitos de uso e navegação na rede nas classes C, D e E”, realizado pelo IDEC em parceira com o Instituto Locomotiva, que escutou 1.000 pessoas de todo o Brasil.
Além de constatar que a maioria dessas pessoas acessam à rede através dos celulares — um dispositivo pequeno que limita a qualidade das interações —, a população mais pobre do país também possui um acesso baseado em planos pré-pagos, com menor quantidade de franquia de dados, menos gigabytes, e um maior valor por gigabyte.
“Então elas pagam proporcionalmente mais por planos menores. Além disso, um dado que para nós é gritante é que a população das classes C, D e E passa em média 23 dias conectados no mês. Isso significa que durante 7 dias, em média, o plano de franquia de internet móvel acaba. Se as pessoas não têm Wi-Fi, não têm outro tipo de acesso, elas não podem acessar as informações, não conseguem acessar políticas públicas, educação, deixam de realizar uma transação bancária, possuem maior sujeição a serem pegas por desinformação. É uma situação preocupante”, relata Camila.
Suposta escassez e modelo neoliberal da LGT
Flávia Lefèvre explicou a provocação presente no nome do painel: “Falamos em suposta escassez porque, na realidade, as empresas ao fazerem investimentos em infraestrutura o fazem priorizando o lucro e, portanto, implantam redes em regiões e localidades que concentram consumidores de alta renda”.
Para ela, esse é um dos problemas do modelo neoliberal da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que somente tratou a telefonia fixa como serviço essencial.
“Na realidade, o serviço de banda larga também é essencial e portanto deveria receber o regime jurídico da universalidade, com o Estado assumindo a obrigação de garantir o acesso e podendo estabelecer metas de universalização, definindo locais e cronograma para implantação de redes, de modo a atender as demandas da sociedade, especialmente as periferias dos grandes centros e regiões remotas do país”, conclui.
Por Enio Lourenço (texto e fotos)