Apesar do enorme esforço da sociedade civil e de senadores que impetraram mandado de segurança em 2016 para impedir a aprovação do então PLC/79, três anos depois, em outubro de 2019, foi aprovada a Lei 13.879, alterando a Lei Geral de Telecomunicações, para permitir a adaptação das concessões da telefonia fixa firmadas em 1998 para o modelo de autorizações.
O impasse em torno da transição do regime público para o privado nunca foi sobre a necessidade de, diante das mudanças nas tecnologias de informação e comunicação, antecipar o fim dos contratos de concessão que regem a prestação da telefonia fixa, previstos para terminar somente em 2025, e de passar a ofertar o serviço em modelo de autorização, assegurando sua continuidade para a população que ainda depende do STFC. A resistência à aprovação da Lei 13.879/2019 veio do fato de que essa nova lei reduziu a responsabilidade do Estado em garantir o acesso aos serviços públicos de telecomunicações, especialmente ao permitir que serviços de interesse coletivo e essenciais possam agora ser prestados exclusivamente no regime privado. Isso praticamente inviabilizou a atuação regulatória para definir metas de universalização e regramento de tarifas.
Em essência, entendemos que a Lei 13.879/2019 violou os dispositivos constitucionais que estabelecem as telecomunicações como competência da União e que incumbe ao Poder Público a prestação dos serviços públicos. Ainda vale dizer que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão que deveria zelar pelo interesse público na regulação da prestação dos serviços de telecomunicações, atuou de maneira incisiva na aprovação da lei. Como já atestou o Tribunal de Contas da União (TCU), desde 1998 a agência deixou de atuar para garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, bem como foi negligente quanto ao controle dos bens reversíveis com valor de mais de R$ 100 bilhões, estando entre eles as redes públicas de telecomunicações instaladas em todo o Brasil e seus dutos.
Aprovada a Lei 13.879/2013, ficou estabelecido que para a adaptação das concessões para autorizações, deve haver avaliação do valor econômico das concessões e dos bens reversíveis, pois será este o valor que determinará os compromissos de novos investimentos em redes de fibra ótica para atender a demanda de infraestrutura para garantir a ampliação do acesso a internet.Como já mencionamos em nota anterior, para realizar a avaliação, a Anatel já contratou consórcio formado pela Axon Partners Group Consulting, o CPQD e a Management Solutions, que já iniciou os trabalhos, e deve seguir o rito estabelecido pela Lei Geral de Telecomunicações alterada pela Lei 13.879/2019 e pelo Decreto 10.402/2020. Surpreendentemente, com o processo de avaliação já iniciado, Oi e Telefônica recentemente invocaram cláusula de juízo arbitral prevista nos contratos da telefonia fixa, pedindo a instauração do processo com o objetivo de apurar alegados desequilíbrios econômico-financeiros das concessões.
Esta iniciativa representa burla ao rito que ficou estabelecido na Lei 13.879/2019 e pelo Decreto 10.402/2020, bem como ao princípio constitucional da eficiência que deve orientar a atuação da administração pública. A avaliação que está em curso pelo consórcio contratado pela Anatel já contemplará todo o complexo econômico das concessões e, portanto, não há justificativa para a duplicação de esforços pelo Poder Público. A cada pedido de abertura de processo de arbitragem fica mais evidente a intenção das operadoras de criar instabilidade na avaliação das concessões, aumentando a vulnerabilidade jurídica dos processos de adaptação para autorizações, com prejuízos vultosos para a União e para a sociedade brasileira.
As entidades da Coalizão Direitos na Rede, em junho de 2020, ajuizaram Ação Civil Pública em face da União e da Anatel questionando a legalidade do Decreto 10.402/2020, bem como da metodologia econômica definida pela agência para orientar o trabalho do consórcio que está realizando a apuração do valor das concessões, pois entendemos que representam violações aos termos dos contratos administrativos que resultaram de um processo licitatório ocorrido há mais de 20 anos e que não podem ser abalados por uma lei posterior. Caso esses problemas levantados pela sociedade civil não sejam levados em consideração pela Anatel, estamos diante de um potencial prejuízo bilionário para a sociedade brasileira e para os objetivos de democratização dos serviços de telecomunicações, de acesso a Internet e ao direito de comunicação.
A Ação Civil Pública está em curso e, caso os pedidos de arbitragem sejam instaurados pela Anatel, a CDR adotará as medidas cabíveis para contestar a legalidade dos processos que eventualmente venham a ser instaurados pela agência.
Coalizão Direitos na Rede