Carta aos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados pela vigência imediata da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

Em 19/08, a Coalizão Direitos na Rede, coletivo de mais de 40 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, enviou carta aos parlamentares Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia para que a vigência da LGPD não seja postergada através da MP 959/20

Exmos. Srs. Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, 

A Coalizão Direitos na Rede, coletivo que reúne mais de 40 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, vem requerer a exclusão da menção à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais da Medida Provisória n. 959/2020, para que sua vigência não seja, mais uma vez, postergada – o que deixaria os cidadãos sem qualquer proteção ante os abusos na utilização de seus dados pessoais. 

A articulação, que participou ativamente das discussões que antecederam a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e da Medida Provisória n. 869/2020, responsável por introduzir no texto da Lei a previsão de criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD, e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais – CNPD, gostaria de enfatizar que a garantia dos direitos à privacidade e à proteção de dados pessoais de todos os brasileiros e brasileiras depende de uma lei vigente e da exclusão do artigo 4o da Medida Provisória em questão. 

Aprovada em julho de 2018, a LGPD foi responsável por consolidar o direito a proteção de dados pessoais no Brasil, como uma extensão do direito constitucional à privacidade, e por nortear a atividade dos agentes de tratamento de dados pessoais, ao mesmo tempo em que fixou princípios básicos para a proteção de direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como o livre desenvolvimento da personalidade das pessoas naturais. No entanto, após a sua aprovação em 2018, as alterações promovidas no texto legal deram espaço a uma primeira postergação da vacatio legis da Lei, de 18 para 24 meses, estabelecendo o início de sua vigência para agosto de 2020. A MP 959, agora em análise, quer prorrogar a vigência uma vez mais, para maio de 2021.

No momento em que o Congresso Nacional discute um projeto de lei para enfrentar a desinformação, em que a sociedade brasileira está preocupada com o impacto que o uso das “fake news” pode trazer para os processos eleitorais, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é um instrumento indispensável para combater este problema. São inúmeras as pesquisas nacionais e internacionais que mostram como a produção e a distribuição de conteúdo desinformativo tem como matéria prima os dados pessoais coletados e tratados de forma indevida.  

É fundamental lembrarmos que o cenário brasileiro é marcado por constantes casos de abusos cometidos por agentes, desvios de finalidades de atividades de tratamento e até vazamentos não remediados, ante a ausência de um marco legal vigente capaz de impor sanções e controlar as atividades de tratamento. Casos recentes revelam a incidência de vazamento de informações pessoais de líderes políticos e demais atores da sociedade, com o objetivo de promoção de linchamentos e disseminação de discurso de ódio ou desinformação.

Ante a iminência do período eleitoral preocupa também a utilização indevida de dados pessoais de eleitores, com o objetivo de influência no direito universal de sufrágio e no resultado eleitoral. Além disso, a instrumentalização de redes sociais e da disseminação do discurso de ódio e desinformação como ferramentas de silenciamento de campanhas e vozes dissidentes é outro fator que pode ser alimentado com uso de dados pessoais de eleitores para o micro-direcionamento de conteúdos. 

O combate à desinformação e à disseminação do discurso de ódio deve caminhar juntamente com a proteção de dados pessoais e com o fornecimento de uma estrutura protetiva, que permita a todos os cidadãos brasileiros mais informações sobre o uso de suas informações pessoais e outros fatores que nos empoderem ante os abusos e compartilhamento não autorizado performado por agentes de tratamento de dados pessoais. Entre os mecanismos trazidos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais para o combate ao fenômeno da desinformação, que reforçam ainda mais a importância de sua entrada em vigor neste momento, destacam-se: 

  1. Princípio da Transparência: A LGPD exige que plataformas digitais forneçam informações claras de como nossos dados são tratados (art. 6º, VI). Esse é o primeiro passo para entendermos como certos conteúdos chegam até nós.
  2. O direito da informação sobre compartilhamento: A LGPD garante que as pessoas tenham informações sobre seus dados compartilhados entre entidades públicas e privadas. Esse é um mecanismo importante para sabermos como eles estão sendo usados no direcionamento de conteúdos.
  3. O direito à revisão de decisões automatizadas e análises de perfis: Notícias chegam diariamente até nós mediante perfis secretos que determinam quais são nossos interesses. Com a LGPD, o titular poderá solicitar a revisão desses perfis, tomando consciência de como as plataformas digitais as enxergam.

Ao entrar  em vigor, a Lei passará a conferir, por um lado, maior segurança jurídica para atividade de empresas, ao passo em que fomenta a criação de estruturas internas de compliance responsáveis por observar as atividades de tratamento de dados. E, uma vez que a aplicação das sanções já foi prorrogada para agosto de 2021, em virtude do disposto no art. 20 da Lei nº 10.040/2020, as empresas terão tempo suficiente para se adequar a suas regras. Adicionalmente, ante a relevância das atividades de coleta e processamento de dados por parte do setor público para o provimento de serviços – que vão do acesso à saúde a programas sociais -, a entrada em vigor da lei, em tempos de pandemia, faz-se ainda mais necessária para a proteção dos cidadãos, sobretudo em relação a dados sensíveis.

A entidades que integram a Coalizão Direitos na Rede esperam contar com o apoio do Congresso Nacional na defesa e garantia dos direitos fundamentais de todos os brasileiros e brasileiras, especialmente o direito à privacidade e proteção de dados, reconhecidos na Constituição e no ato da  sanção da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. A garantia desses direitos e defesa da democracia dependem, agora, da entrada em vigor imediata da LGPD

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