ECA Digital (PL 2628): Autoridade competente é fundamental para que lei não fique no papel

A Coalizão Direitos na Rede, coletivo de entidades dedicadas aos direitos fundamentais no ambiente digital, vem a público manifestar a necessidade de manutenção de uma autoridade competente no desenho do Projeto de Lei 2628/2022 (“ECA Digital”), em votação no Plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (20/08). Críticas à autoridade vêm aparecendo no discurso de opositores ao projeto, muitas vezes buscando confundir a sociedade sobre o papel dessa estrutura regulatória.

O ECA Digital (PL 2628/2022) é uma proposta de legislação pioneira e necessária para proteção de crianças e adolescentes no uso de jogos, plataformas e outros produtos e serviços digitais. As empresas seriam obrigadas a manter o melhor interesse das crianças, garantir controle etário adequado, permitir efetiva supervisão parental e remover conteúdos que promovam a exploração sexual, abuso, violência física, automutilação, indução ao suicídio e comportamento danoso. Além disso, cria regras importantes para evitar que crianças estejam expostas a pedófilos, jogos de azar, narcóticos e situações adequadas somente a adultos.

A legislação prevê a designação de uma autoridade nacional para zelar pelo cumprimento da Lei, editar regulamentos e procedimentos, bem como fiscalizar sua aplicação em todo o território nacional. Além de ser responsável por emitir recomendações e orientações sobre práticas necessárias para o cumprimento das obrigações previstas na Lei, essa autoridade terá prerrogativa para estabelecer diretrizes e padrões mínimos sobre mecanismos de supervisão parental, que devem ser observados pelos fornecedores (art. 17, § 1º), assim como aplicar as sanções previstas no art. 35º.

O novo relatório do deputado Jadyel Alencar, entretanto, estabelece salvaguardas à atuação da Autoridade Nacional, como a consideração das diferenças regulatórias, as funcionalidades e o nível de risco de cada produto ou serviço, acompanhamento da evolução tecnológica e dos padrões técnicos aplicáveis (art. 5º, § 3º) e restrições para que suas iniciativa não violem direitos como a proteção de dados e a privacidade e a liberdade de expressão.

Sobre os mecanismos de supervisão parental desenvolvidos por fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia direcionados — ou de acesso provável — a crianças e adolescentes, não dependem de aprovação prévia da autoridade nacional para serem disponibilizados ao público, podendo ser apreciados posteriormente pela autoridade competente (art. 17º, § 3º).

Assim como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) demandou a criação de uma autoridade nacional responsável por regulamentar e fiscalizar a legislação, a presente lei também demanda uma autoridade especializada para garantir e orientar a sua execução. No nosso entendimento, não há, nesse momento, nenhum órgão ou autoridade no Estado brasileiro com estrutura adequada para ocupar esse papel.

Em maio de 2025, a Coalizão Direitos na Rede se manifestou por meio da nota “Estrutura regulatória das plataformas digitais deve incluir forte mecanismo de participação social” e argumentou que “é fundamental a implementação de uma estrutura institucional que possibilite a participação diversa e plural de setores da sociedade brasileira”. Tão fundamental quanto é garantir neste arranjo regulatório a capacidade técnica e a autonomia funcional e administrativa para fiscalizar e implementar os comandos legais a serem estabelecidos”.

A previsão de uma autoridade competente é fundamental para assegurar a efetividade da Lei. Sem uma estrutura regulatória com prerrogativas estabelecidas na Lei, as regras, proteções e obrigações descritas na legislação correm o risco de ficarem somente no papel. Não há regulação eficaz sem fiscalização, e esta é operada no âmbito do arcabouço legal brasileiro por órgãos regulatórios no âmbito da Administração Direta e Indireta. Outra função primordial da autoridade regulatória é editar regulamentos para detalhar regras e diretrizes elencadas na legislação. Em um setor dinâmico como o das tecnologias e serviços digitais, uma legislação dificilmente conseguirá cobrir todas as hipóteses. É bastante comum e necessário a edição de normas infralegais que possam dar conta dos aspectos não abordados na Lei e monitorar o seu cumprimento.

Defendemos que a autoridade competente pela fiscalização das normas do ECA Digital conte com estruturas centrais de participação social e construção coletiva de políticas públicas, uma vez que isso pode permitir a construção de conhecimento técnico sobre ilícitos de monetização de conteúdo, perfilamento comercial e exposição de crianças a riscos e danos em plataformas.

É fundamental que o ECA Digital possa ser efetivamente implementado por uma autoridade com capacidade técnica e autonomia funcional e administrativa, independentemente da mobilização do sistema de justiça e o direito constitucional de cada cidadão de buscar uma efetiva reparação por uma violação a seus direitos. O detalhamento, designação de competências dessa autoridade poderão ocorrer a posteriori, como ocorreu com a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) via Medida Provisória n. 869, de 2018, responsável por complementar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

A definição de uma autoridade competente não implica em centralização de poderes no Executivo e criação de estruturas de reforço a um poder governamental específico. A tutela das crianças e adolescentes é um imperativo constitucional e um dever do Estado, que deve ser mantido independentemente do governo em exercício.

Em função do exposto, reforçamos como crucial a manutenção do artigo 34 do Projeto de Lei, levando-se em consideração a importância da promoção de melhorias no desenho de normas mais protetivas e detalhadas com relação às sanções cabíveis. A proposta de um sistema puramente autorregulado, como o CONAR e o mercado de publicidade, deve ser veemente rechaçado pelo Congresso Nacional.

Atenciosamente,

Coalizão Direitos na Rede