Nota sobre o Projeto de Lei Nº 4675 de 2025 (CONCORRÊNCIA EM MERCADOS DIGITAIS)

A Coalizão Direitos na Rede (CDR) considera fundamental para a agenda de regulação de plataformas digitais no Brasil instituir novas regras e mecanismos para combater condutas anti-competitivas e que confiram ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instrumentos para melhor incidir na defesa da concorrência nos mercados digitais no país. O Projeto de Lei (PL) nº 4675, de 2025, foi proposto pelo governo federal como iniciativa para dar respostas neste campo. O projeto dispõe sobre os processos através dos quais o Cade poderá designar determinados atores como sendo agentes de relevância sistêmica nos referidos mercados digitais e por meio dessa designação estabelecer obrigações a esses agentes com vistas ao impedimento de práticas anticompetitivas. Dada a importância do tema e a relevância em se instituir esses instrumentos, consideramos importante a votação da urgência do referido projeto na Câmara dos Deputados

A concentração de poder econômico nos mercados digitais é um problema concorrencial, criando barreiras à entrada de novos atores. Mas vai além dessa dimensão. A concentração de poder econômico amplifica a dependência de indivíduos, organizações e do Estado brasileiro dos conglomerados digitais e amplia o poder dessas corporações de controlar os fluxos de informação e a maneira pelas quais a sociedade informa e é informada no ambiente online. Isso traz impactos à democracia, ao debate público e à soberania nacional. Combater a concentração de propriedade e as práticas anti-competitivas nos mercados digitais é uma agenda central para fomentar uma Internet mais plural, diversa e que promova os direitos humanos e digitais dos usuários.

O PL nº 4675, de 2025 traz tentativas de resposta para estes problemas.  A possibilidade de designação de agentes de relevância sistêmica em mercados digitais a partir de sua capacidade de intervenção em mercados digitais e do faturamento do conglomerado proprietário do serviço e produto é o reconhecimento de que as gigantes empresas de plataformas digitais e de tecnologia ocupam uma posição expressiva de poder sobre as dinâmicas de concorrência nos mercados, influenciando as condições de surgimento de novos provedores de produtos e serviços. Os casos brasileiros relacionados às lojas de aplicativos da Apple1 e ao buscador do Google2 demonstram como o poder das respectivas empresas em condicionar o acesso de outros provedores de aplicações e serviços ao mercado consumidor apresenta riscos e danos pelo caráter assimétrico e opaco que as grandes empresas do setor exercem. Em outros países, grandes empresa de tecnologia têm sido multadas por autoridades concorrenciais, como no caso da França3 e na Espanha4. Nos Estado Unidos, a autoridade responsável pela análise concorrencial propôs que o Google vendesse subsidiárias de publicidade para mitigar a posição monopolista do conglomerado5

Por conta da escala e da opacidade sobre como as grandes empresas de plataformas digitais operam em mercados digitais, as avaliações e investigações sobre os possíveis riscos e danos à concorrência nesses mercados são dificultadas – enfrentando desafios como o demasiado tempo na análise dos processos, a falta de teorias do dano adequadas a mercados digitais e a falta de efetividade dos remédios propostos. Por isso, o Projeto de Lei nº 4675 de 2025 acerta ao estabelecer mecanismos básicos de governança dos mercados digitais, visando mitigar a assimetria de poder concorrencial existente atualmente, como as obrigações de transparência e de conduta sobre os agentes de relevância sistêmica. 

Apesar de significar um avanço, o Projeto de Lei nº 4675 de 2025 também tem limitações que devem ser consideradas e que podem ser mitigadas no debate legislativo. Quanto ao escopo de aplicação, pelo referido projeto de lei, somente poderão ser classificados como agentes de relevância sistêmica os grupos econômicos cujo faturamento bruto anual global for superior a R$ 50 bilhões ou faturamento bruto anual no país superior a R$ 5 bilhões. Esses valores tornam o alcance da lei bastante restrito, uma vez que poucas corporações no país atingem tais patamares. Isso reduz significativamente o número de empresas sujeitas à supervisão reforçada. Outro problema é limitar a classificação do agente de relevância sistêmica a este critério, quando outras condutas problemáticas poderiam ser consideradas na análise. 

O projeto também define obrigações e condutas proibidas, buscando prevenir práticas anticoncorrenciais. Nesse aspecto, inspira-se no Regulamento dos Mercados Digitais europeu, porém com menor grau de detalhamento. Não aborda, por exemplo, o uso cruzado de dados obtidos em diferentes serviços da mesma empresa, nem estabelece regras de interoperabilidade entre aplicações. Tendo em vista que a proposição de recomendações é posterior a todo o processo de análise, em que devem, pela proposta, ser ouvidas a sociedade em geral e as empresas em particular, o problema da demora na aplicação das medidas e na concretização de seus impactos é claro e poderia ser amenizado pela definição de mais condutas anticompetitivas vetadas. O caso da União Europeia é um exemplo a ser observado pois, apesar de todo o esforço na aplicação das novas regras, os processos têm durado mais de dois anos e resultado apenas em multas que, dado o tamanho das corporações, são plenamente internalizadas. As alterações mais substanciais residem, na verdade, na orientação prévia sobre práticas nocivas e, por outro lado, boas práticas recomendadas.

O PL nº 4675/2025 também prevê importantes obrigações para as empresas, como a de oferta de mecanismos de interoperabilidade gratuita e efetiva entre seus serviços e os de terceiros. Este mecanismo é chave para evitar a prática de “cercamento” e limitação da navegação dos usuários, que reproduz as relações de dependência das grandes empresas de tecnologia. Outro requisito é que os agentes regulados disponibilizam meios para que os usuários mudem configurações e instalem ou desinstalem aplicativos. A “pré-instalação” de aplicativos é uma prática de auto-favorecimento que vem sofrendo questionamentos. 

Além disso, embora o texto preveja prazos mais curtos para acelerar as investigações e posterior aplicação de remédios concorrenciais, eles ainda dependerão de múltiplas etapas internas: primeiro na nova Secretaria de Mercados Digitais e, depois, no Tribunal do Cade. Esse fluxo tende a tornar a resposta estatal mais lenta do que o ideal para mercados que evoluem rapidamente e onde práticas anticoncorrenciais podem produzir efeitos imediatos e duradouros. Assim, ainda que signifique o reconhecimento da necessidade de o Estado regular as plataformas, a proposta possui limites importantes.

Diante do exposto, a CDR manifesta-se a favor da regulação econômica das plataformas e reconhece os avanços no Projeto de Lei nº 4675 de 2025. Não obstante, aponta que as medidas são limitadas e insuficientes para incidir sobre as raízes estruturais do poder de mercados que poucas grandes empresas de plataformas digitais possuem sobre os mercados. Medidas incrementais como as mencionadas antes poderiam ser detalhadas para melhorar o projeto, a fim de evitar a coleta e o uso indiscriminado de dados, ampliar a transparência das plataformas e fomentar a migração dos utilizadores para outros serviços, entre outras ações necessárias para diversificar o ecossistema digital.

Além disso, outras medidas mais eficazes devem entrar na agenda de discussões. É o caso da propriedade cruzada das plataformas que, embora bastante naturalizada, está na raiz dos problemas associados à escala e ao controle de diversos setores por pouquíssimas plataformas digitais. Nesse sentido, defendemos que haja a separação das empresas, evitando, por exemplo, que aquelas que atuam como provedoras de infraestrutura básica ou que exerçam uma função de controle estratégico de acesso a determinados mercados (ex. sistemas operacionais de dispositivos móveis, loja de aplicativos, motores de busca na Web, segmentação de audiência para publicidade digital, entre outros) ou da circulação de conteúdos (ex. redes sociais e plataformas de vídeos ou sistemas de e-mails). Em suma, é necessário debater sobre a necessidade em desmembrar ou desagregar as empresas de um mesmo grupo econômico e construir instrumentos que possibilitem esse processo. Por fim, uma regulação ampla deve prever também a efetivação de políticas que garantam alternativas à população, como seria o caso do estímulo à participação de outros agentes nos diversos setores.

02 de Dezembro de 2025
Coalizão Direitos na Rede

1  Cade. 2025. SG/Cade recomenda condenação da Apple por conduta anticompetitiva no ecossistema iOS. 30 de junho. https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/sg-cade-recomenda-condenacao-da-apple-por-conduta-anticompetitiva-no-ecossistema-ios
2 Cade. 2025. Cade aprofunda investigação sobre práticas do Google e lança chamada para contribuições. 28 de agosto. https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-aprofunda-investigacao-sobre-praticas-do-google-e-lanca-chamada-para-contribuicoes
3 Reuters. 2024. Frech competition watchdog hits Google with 250 million euro fine. 20 de março. https://www.reuters.com/technology/french-competition-watchdog-hits-google-with-250-mln-euro-fine-2024-03-20/
4 Uol. 2025. Justiça espanhola condena Meta por ‘concorrência desleal’ e impõe multa milionária à empresa. 20 de novembro. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2025/11/20/justica-espanhola-condena-meta-por-concorrencia-desleal-e-impoe-multa-milionaria-a-empresa.htm.
5 Vijayaraghavan, A; Shah, C. 2025. Governo dos EUA propõe que Google venda plataformas de publicidade para quebrar monopólio. 6 de maio. Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/05/governo-dos-eua-propoe-que-google-venda-plataformas-de-publicidade-para-quebrar-monopolio.shtml