Na última terça-feira, 23, a Coalizão Direitos na Rede (CDR) esteve reunida com a Advocacia-Geral da União (AGU) para discutir sobre os encaminhamentos relativos ao processo de migração das concessões públicas para autorizações privadas de empresas de telecomunicações, particularmente em relação aos bens reversíveis no contexto da operadora Oi, que atua em 95% do país.
As incertezas quanto ao valor dos bens reversíveis são inadmissíveis por duas razões: primeiro porque em 2019 a própria ANATEL afirmou ao TCU que o valor dos bens reversíveis seria de R$ 101 bilhões, depois, em 2023, afirmou que fez novos cálculos e que chegou ao valor de R$ 19,9 bilhões e agora, em 2024, pretende fechar um acordo com a operadora por R$ 5,8 bilhões revertidos em compromissos de investimentos a serem realizados em 10 anos, sendo que R$ 1,2 bilhões em redes de acesso a Internet e a diferença em data centers a serem implantados por decisão da empresa V.tal, controlada pelo BTG Pactual.
Ao mesmo tempo, apesar do possível acordo, ANATEL e SecexConsensus estão aceitando que se mantenha em andamento processo por meio do qual a OI reclama indenização de R$ 60 bilhões contra a União.
Todos os processos envolvendo o acordo com a OI correm em sigilo e, portanto, violando as regras constitucionais de transparência que devem pautar a administração pública. Além disso, em nenhum momento a sociedade civil – os maiores interessados no resultado desse acordo – foi ouvida. Apenas agora, a poucos dias da possível assinatura do acordo, a Advocacia Geral da UNião (AGU) atendeu o pedido da CDR, e nos recebeu no último dia 23.
Durante a reunião, a AGU informou que não teve conhecimento da revisão dos cálculos dos bens reversíveis, em conformidade com o determinado no Acórdão nº 516/2023 do Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do qual a auditoria do TCU constatou que para 49,18% dos bens a ANATEL, sem seguir as regras estabelecidas por lei, a agência atribuiu valor ZERO, alegando depreciação. Trata-se de redes de cobre, fibra ótica, dutos subterrâneos, torres e mais de 7.900 imóveis, sendo que só os imóveis, segundo avaliação mínima feita pela Ernest & Young a pedido da Oi, valem mais de R$ 5 bilhões.
Diante da constatação, em março de 2023, o TCU determinou que ANATEL refizesse os cálculos de acordo com os parâmetros legais, a fim de se evitar lesão ao erário público e às políticas públicas de universalização do acesso a banda larga.
A situação se agrava porque o processo foi assinado pelos órgãos envolvidos e a empresa OI, com alegação no Acórdão nº1315/2024, do TCU que chancelou o acordo, os recalculou teriam sido realizados; ou seja, de que os cálculos atualizados sobre os bens reversíveis teriam sido realizados.
No entanto, foi constatado através do site da Anatel que houve uma entrega em não conformidade com o solicitado pelo acórdão 516/2023, sob a alegação de que os termos exigidos pelo TCU para o recálculo seriam “inexequíveis”, na data de 21/07/2023 e ainda houve a solicitação da prorrogação de 120 dias (em mais duas datas) para a finalização da revisão desses cálculos, sendo uma em 11 de fevereiro de 2024 e outra em 4 de julho de 2024, coincidentemente um dia após a votação do acordo da OI pelo TCU.
As informações em canais oficiais e de acesso público permanecem mostrando incoerência nas informações; no dia 04 de julho o processo registra que foram solicitados mais 120 dias para a realização de revisão dos cálculos, mas até a última movimentação no Sistema Eletrônico Informações (SEI), em 31/07/2024, consta apenas a decisão favorável a prorrogação de 120 dias, para a revisão dos valores dos bens-reversíveis, não tendo nada mais a constar.
Legenda: movimentação do processo no portal SEI
O cenário atual implica em violação a disposições da Lei Geral de Telecomunicações determinando que os valores dos bens reversíveis devem ser revertidos em novos investimentos voltados para atender políticas públicas de universalização da banda larga.
A falta de transparência nos processos gera também insegurança para investidores e acionistas da Oi, uma vez que o acordo de migração das concessões é apresentado como concluído, enquanto as evidências apontam para irregularidades e ilegalidades que comprometem a segurança jurídica imprescindível para questões que envolvem o interesse público. Nesse contexto, é temerário promover a aquisição de ações da empresa antes da conclusão definitiva do acordo, o que pode resultar em prejuízos para investidores que não estão plenamente informados sobre as incertezas e riscos envolvidos.
Movimentações
Antes da reunião com a CDR, a AGU esteve reunida com o Ministério das Comunicações, Anatel e a OI e, ao final do dia, a Casa Civil pediu esclarecimentos sobre os investimentos que serão feitos como parte do acordo de migração.
A Coalizão entende que é fundamental a participação e o parecer final da AGU nos processos envolvendo acordos que, a despeito de terem sido aprovados pela ANATEL e Ministério das Comunicações e validados pelo TCU, têm pareceres contrários por parte do órgão técnico de auditoria do mesmo tribunal e do Ministério Público.
Enquanto organização da sociedade civil, reforça a importância da transparência nos processos referentes ao erário público e que o Estado deve primar pelos interesses da população, evitando malversação de patrimônio público, é imprescindível que qualquer acordo envolvendo os bens reversíveis só ocorram depois de resolvidas todas as controvérsias em torno deste patrimônio.
Informamos que a CDR está promovendo a execução de sentença proferida em Ação Civil Pública que vencemos, determinando que a ANATEL cumpra a lei e junte aos contratos de concessão a lista dos bens reversíveis e que a agência insiste em descumprir a ordem judicial que transitou em julgado desde 2022. Temos também uma outra Ação Civil Pública movida em 2020 questionando a metodologia de cálculos da ANATEL para avaliar os bens reversíveis.
CITAÇÕES DOCUMENTAIS REFERENTES AO RELEASE ACIMA
O processo onde se encontra o Acórdão 516/2023 está sobrestado. Um problema grave é que, no Acórdão 1315/2024, foi afirmado no voto que a relação de bens reversíveis, conforme os itens 9.2 e 9.4 do Acórdão 516/2023, havia sido entregue e analisada, com base no Acórdão 162/2023 do CD da Anatel. No entanto, conforme o processo, na Anatel, nº 53500.025012/2022-96, tanto a Análise 49 (em 21/07/2023) quanto a Análise 33 (em 11/02/2024) e a Análise 96 (em 04/07/2024) demonstram que essas listas revisadas dos bens não foram entregues como exigido no Acórdão 516/2023. Isso implica uma falsidade material no voto do Acórdão 1315/2024, comprometendo a integridade do processo. Embora esses dados estejam sob sigilo de justiça, o fato de terem sido afirmados como entregues, quando na realidade não foram, fere os princípios constitucionais da moralidade (art. 37, CF) e da legalidade, além de configurar uma grave violação ao devido processo legal e à transparência no âmbito do controle público.
a. Acórdão 516/2023 destaque aos itens 9.2 e 9.4
b. Acórdão 1315/2024 – Destaque ao item 61
c. Processo com as Análises (49/23, 33/24 e 96/24) de revisão de cálculo dos bens reversíveis