Por Jéssica Botelho, Lori Regattieri e Thiane Neves Barros*
Desde 2021 o Brasil tem ficado mais íntimo da SpaceX, empresa do herdeiro e multi bilionário estadunidense Elon Musk, pelos serviços oferecidos pelo seu braço de infraestrutura de Internet, a Starlink, e sendo muito bem recebida pelo governo brasileiro, desde a presidência de Jair Bolsonaro. Mas foi em 2022 que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de fato autorizou o serviço da Space Exploration Holdings no país.
Entretanto, mesmo atentas para entender este processo, as notícias circuladas em outubro de 2023, de que “Elon Musk domina internet por satélite na Amazônia com antenas em 90% das cidades”, foram alarmantes para nós e mais à frente explicamos algumas razões.
A presença da provedora na região vem sendo estudada e estranhada por muitas organizações, pesquisadores e jornalistas, mas também aproveitada por vários tipos de perfis de usuários. Foi tema de podcast no episódio “Caixa de Ferramentas” da Rádio Novelo, no perfil Astronomiaum no Twitter há uma thread feita em 2020 sobre a presença dos satélites no espaço, as crescentes denúncias do uso desta conexão pelo garimpo ilegal (facilitado pela falta de contrato), projetos de conectividade rápida para povos das florestas na Amazônia que usam as antenas da Starlink, recentemente em uma entrevista o pesquisador Hemanuel Veras apresenta o contraponto de preços pagos por conexão/velocidade em Manaus e em Coari, no estado do Amazonas, que nos ajuda também a compreender este fenômeno pela ótica da relação preço x velocidade.
Existem, inclusive, o que nomeamos de “influencers de Starlink”, pessoas que produzem conteúdos sobre internet rural com bastante destaque para a empresa de Musk e com vídeos de utilidade pública que vão desde o unbox até alertas sobre golpes praticados usando o nome da provedora. Da mesma forma, vimos dezenas de anúncios de pseudo representantes, revendedores e técnicos de antenas da Starlink.
Todo esse alvoroço se deve ao modelo de negócio da Starlink que começa com a promessa de “Internet de alta velocidade. Disponível em quase qualquer lugar do mundo”, seja uma residência padrão ou residências itinerantes/móveis (estilo motorhomes), para embarcações e/ou durante longas viagens, com planos para pessoa física e pessoa jurídica.
Conforme informado em seu site, o kit da Starlink tem um preço padrão de R$ 2.000 e mensalidades que variam entre R$ 184 – R$ 730 (para residências), R$ 280 a R$ 1.283 (para viagens) e R$ 1.283 a R$ 25.659 (para embarcações), sem contrato de fidelidade, instalação autônoma é feita de forma rápida “em apenas dois passos”. A caixa vem com uma antena, uma base, roteador, cabo de conexão e cabo de energia. Então o cliente baixa o aplicativo em seu celular e descobre qual o melhor ponto para que a antena fique diretamente voltada para o céu. Importa informar que estes valores são sem impostos.
As notícias sobre a empresa trazem informações grandiosas, tanto quanto são as notícias sobre a Amazônia, costumeiramente comunicada no superlativo. Seguindo essa lógica, identificamos que a estratégia de propaganda da Starlink busca se firmar como agente de infraestrutura de comunicação em uma região emblemática como a Amazônia, também por meio dessas notícias. De acordo com monitoramento feito pelo Centro Popular de Comunicação e Audiovisual, foram publicadas 24 matérias em sites de jornalismo local e jornalismo especializado em tecnologia entre os dias 21 e 23 de outubro. Parte significativa do material coletado repete exatamente o mesmo título que nos alarmou: “Elon Musk domina internet na Amazônia com antenas em 90% das cidades”.
Em setembro de 2023, o panorama da Anatel registrou 339 milhões de contratos de telecomunicações no Brasil, distribuídos em diferentes tipos de tecnologias. Na categoria de Banda Larga, 0,8% é de contratos por Satélite, mas na região Norte este número aumenta para 2,8% de participação no mercado, sendo 44% abocanhados pela Starlink (36.950 acessos). Em cada estado da região, a participação da provedora está dividida da seguinte forma: Acre: 54,5%; Amazonas: 58,9%; Amapá: 28,8%; Pará: 36,6%; Rondônia: 22,4%; Roraima: 74,8% e Tocantins: 33,1%. No ranking comparativo com as demais operadoras, a Starlink já está em 10º lugar na Região Norte/Amazônia em menos de dois anos de operação.
As consultas feitas para este artigo, mostram que o crescimento da Starlink Brasil Serviços de Internet realmente tem sido significativo na região, são 437 municípios com sinal dos satélites da operadora. Um exemplo é o nordeste paraense, onde se concentram tensões decorrentes do agronegócio, principalmente entre comunidades quilombolas e indústrias de dendeicultura.
A Amazônia é, mais uma vez, uma enorme oportunidade de mercado porque são também gigantescas as precariedades em vários territórios da região. Fica para um outro momento, mas em municípios onde a mineração e as empresas de monocultivo estão sediadas, existem infraestruturas de primeiro mundo (exclusivo para uso interno).
Acompanhando regularmente os anúncios do atual governo relacionados ao programa de conectividade nas escolas em áreas remotas, compartilha-se da preocupação já apontada por Luiz Queiroz do site especializado Capital Digital. De acordo com os dados da Anatel, apenas uma empresa seria capaz de competir com a Starlink, mas devido ao tamanho da constelação disponível e a possibilidade de operar na banda KU, a empresa de Musk não tem concorrência. Para se ter uma ideia, a OneWeb, empresa britânica que já opera no Brasil, tem uma constelação de apenas 774 satélites, enquanto a Starlink tem 4408 satélites autorizados em órbita, com meta de crescimento. São dados que preocupam quem investiga a relação de desigualdades e tecnologias de comunicações e informação, pois percebe-se que o interesse público de garantia do exercício pleno do acesso à informação e de conectividade significativa cai em armadilhas de promessas de rápida resolução que comprometem a soberania do país e aumentam a desigualdade de conexão entre as diferentes regiões.
“Fui instalar uma internet top”: narrativas e os cuidados necessários
A realidade da conectividade de Internet por várias localidades da Amazônia brasileira ainda é predominantemente precária ou inexistente. Apesar das pesquisas mostrarem que cada vez mais gente consegue acessar a internet, ao andar e navegar pela região, é possível verificar que nossa conectividade ainda é penosa, bem como estão sendo mal executados outros serviços de infraestrutura.
Nos resultados da TIC Domicílios 2023, a Região Norte ainda tem menor percentual de domicílios com conexão por Wi-Fi (89%), o que contrasta com os dados de presença de fibra ótica já que a região está à frente de Centro-Oeste e Nordeste (o que traz o debate sobre quem de fato tem acesso à internet na Amazônia), isto é, mesmo que o aumento de fibra ótica tenha sido um dos maiores entre todas as regiões, o acesso por Wi-Fi, ainda é o menor do Brasil em relação às demais regiões.
Portanto, a promessa de uma internet que pegaria em qualquer lugar, quase uma especialista em áreas remotas, causa enorme mobilização, sim, e isso é compreensível diante da necessidade e da expectativa de estarmos conectades e do direito à comunicação.
Em quilombos próximos a Belém, por exemplo, o Wi-Fi Rural está chegando por este serviço da Starlink, inclusive com subcomercialização da conexão em algumas comunidades. Um negócio que alimenta outros negócios, mas sem muitos dados ainda sobre a inclusão digital a partir dessa cadeia.
“Fui instalar uma internet top, Starlink”. Em meio às pesquisas para este artigo, recebemos este relato de um usuário do serviço de satélite da Starlink no Pará, que instalou a antena em sua propriedade, exemplificando um pouco da euforia que tem sido comum nas aquisições do serviço. Uma curiosidade: registramos uma antena da Starlink em meio a uma praia no Rio de Janeiro, também nestas semanas de breve pesquisa.
Uma outra característica do serviço é que os satélites da Starlink operam em baixa órbita, para garantir a conexão mais rápida, e em grande quantidade, para assegurar a capilaridade prometida, o que garante que ela seja “top” e funcione realmente em qualquer lugar.
Em comunidades ribeirinhas e entre povos indígenas, a chegada da infraestrutura e conectividade da Starlink tem sido bastante celebrada, pois é sim uma oportunidade e muitas vezes uma possibilidade de se sentir no futuro. É um certo saber de inclusão. Porém, no perfil brasileiro da empresa, há uma cliente que reclama insistentemente que “Não há nenhum canal de comunicação” e conclui: “não comprem”. A prometida “internet do futuro”, pode custar mais caro que os preços praticados na sua comercialização. É preciso ter atenção, cuidado e zelo com o próprio bolso e compreender que serviços de comunicação digital tem muito mais interesse político e econômico do que parece, esta “terra da democracia” tem seus problemas também.
Com todo o apelo em torno da COP 30, o governo brasileiro está na corrida para aumentar a conectividade na região, especialmente no Pará, onde vai acontecer o evento e para onde estão sendo destinados milhões de dólares em ações socioambientais que também incluam conectividade na região. Porém, mais uma vez as populações de territórios amazônicos não participam dessas decisões e de possíveis protagonistas de uma comunicação segura, passam a meros consumidores de serviços gringos. A oferta de uma internet rápida e com grande capilaridade deveria também vir com o debate geopolítico acerca do que significa para nós um risco de monopólio neste tipo de negócio.
Trocando em miúdos: não existe milagre, o que existe é interesse comercial e grande lucro em torno da Amazônia. Uma brecha muito bem aproveitada por um bilionário qualquer (contém ironia).
* As autoras são integrantes da Coalizão Amazônia na Rede.