À Mesa do Senado Federal
Senador Rodrigo Pacheco
Excelentíssimo Sr. Presidente do Senado Federal,
A Coalizão Direitos na Rede (CDR) é uma rede de entidades que reúne 51 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais, tendo como temas principais de atuação a defesa do acesso, liberdade de expressão, proteção de dados pessoais e privacidade na Internet. As entidades que integram o coletivo participaram ativamente da construção de políticas públicas de Internet de grande relevância para o Brasil, como o processo de discussão e elaboração do Marco Civil da Internet e de seu decreto regulamentador, bem como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Em vista da tramitação do Projeto de Lei nº 2719/2019, ora na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, a CDR se posiciona pela nulidade do projeto senatorial por: i) ser eivado de vício de iniciativa; ii) ser inconstitucional; iii) apresentar antirregimentalidade; vi) não observar as regras cogentes de técnica legislativa; e v) representar potencial violação aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Em primeiro lugar, o PL 2719/19 incorre em flagrante vício de iniciativa por propor: i) a criação de estrutura da Administração Pública Federal; ii) a criação de funções públicas na administração direta; e iii) organização administrativa por meio de proposição senatorial. É de competência privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, organização administrativa, e a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública (CF, art. 61, §1º, incs. ‘a’, ‘b’ e ‘e’). Portanto, o PL 2719/19, em seus capítulos III e IV, respectivamente ‘Dos Órgãos de Inteligência’ e ‘Dos
Integrantes dos Orgãos de Inteligência’, usurpa a competência privativa conferida pela Constituição da República à Presidência da República.
Em segundo lugar, o PL 2719/19 é inconstitucional por tramitar inicialmente no Senado Federal, quando a matéria em exame deveria tramitar primeiramente na Câmara dos Deputados. As discussões e votação dos projetos de lei cuja competência é privativa do Presidente da República, como é o caso do PL 2719/19, devem ter início na Câmara dos Deputados (CF, art. 64), configurando flagrante inconstitucionalidade.
Em terceiro lugar, o PL 2719/19 incorre em antirregimentalidade ao não ser enviado inicialmente à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). A CCAI tem por competência legal examinar preliminarmente às demais Comissões e emitir parecer sobre proposições legislativas relativas à atividade de inteligência e contrainteligência e à salvaguarda de assuntos sigilosos (Resolução n. 2/2013 do Congresso Nacional, art. 3º, III)¹. No entanto, em maio de 2019, o PL 2719/2019 realizou a inicialmente a distribuição do texto para duas outras Comissões, ignorando o dever legal de promover a análise preliminar pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI).
Diz a Resolução n. 2/2013 do Congresso Nacional:
Art. 9º Serão submetidas a parecer da CCAI, preliminarmente ao exame das demais Comissões, todas as proposições que versarem sobre:
I – a Agência Brasileira de Inteligência e os demais órgãos
e entidades federais integrantes do Sistema Brasileiro de
Inteligência;
II – as atividades de inteligência e contrainteligência e de
salvaguarda de assuntos sigilosos.
Em quarto lugar, o PL 2719/19 não observa as regras cogentes de técnica legislativa ao disciplinar matérias já devidamente reguladas e regulamentadas. Isso porque, é vedada a regulação de uma mesma matéria por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa (Lei Complementar 95/1998, art. 7º, inc. IV). Assim, o PL 2719/19 em questão incorre em óbice de técnica legislativa de elaboração, redação e alteração de Leis ao propor a regulação de matérias já
presentes no sistema jurídico pátrio, como por exemplo: i) o Sistema Brasileiro de Inteligência e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), instituídos pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999 e posteriormente regulamentado por Decretos; e ii) a interceptação das comunicações telefônicas, telemáticas, dados e sinais derivada do inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal, e
regulada expressamente pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.
Por fim, o PL 2719/2019 representa potencial violação aos direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição da República ao ampliar desproporcionalmente o aparato de vigilância estatal. O PL 2719/2019 amplia, por exemplo, i) as competências do proposto Órgão Central de Inteligência e as garantias de seus integrantes e ii) os métodos e técnicas sigilosos ou ostensivos permitidos para a obtenção de dados negados. Nesse sentido, a ampliação desproporcional dos aparatos de vigilância pode comprometer a liberdade de expressão, manifestação e associação; a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas; e o direito à proteção de dados, sobretudo em uma conjuntura política de ampliação da vigilância estatal.
Portanto, a Coalizão Direitos na Rede se posiciona pela nulidade do Projeto de Lei nº 2719, de 2019.
Brasília, 18 de março de 2022
Coalizão Direitos na Rede
1.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescon/2013/resolucao-2-22-novembro-2013-777449-p
ublicacaooriginal-141944-pl.html