Um Fust sob medida para interesses alheios

Mudança legislativa aprovada em 2020 ainda não foi implementada e já tem proposta querendo passar a perna no modelo de consenso com muito esforço

Fust – A saga

Por Intervozes, Instituto Telecom, Idec e IP.Rec (entidades integrantes da CDR) no portal Congresso em Foco

Neste momento, em que está evidente a essencialidade do acesso à Internet, seguimos aguardando que o Ministério das Comunicações regulamente os dispositivos da Lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o Fust, para que os recursos possam finalmente ser utilizados na ampliação da infraestrutura que dá acesso à conexão à Internet. Os dispositivos a serem regulamentados são aqueles introduzidos no ano passado à norma pela Lei  nº 14.109, de 2020 e que permitem a aplicação dos recursos do fundo em banda larga, uma proposta desenvolvida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com apoio do setor privado, do governo e das entidades da sociedade civil. E, porém, antes mesmo de ser colocada em prática, há setores buscando desequilibrar as regras do jogo.

Não bastassem os vetos presidenciais e a necessidade de reavaliação da matéria pelo Congresso Nacional este ano, agora entra na pauta da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) um projeto de lei que sorrateiramente visa alterar a recém modificada lei do Fust para lhe tirar uma perna, a da análise multissetorial dos projetos a serem apoiados com os recursos públicos.

O substitutivo ao Projeto de Lei nº 1349/2021, que altera a Lei nº 9.998/2000, para dispor sobre a utilização dos recursos do Fust, em ampliação de infraestrutura de telecomunicações 5G, e dá outras providências, apresentado pelo deputado David Soares (DEM-SP) é um retrocesso que só interessa às empresas de telecomunicações. Explicamos:

  • Em negociação entre o setor de telecomunicações e os interesses do Estado brasileiro foi previsto que caso as empresas invistam em projetos aprovados por um conselho gestor com participação multissetorial (empresas, governo e sociedade civil) poderiam deixar de contribuir para o fundo, porém no limite de 50%. O PL em questão quer retirar o limite de isenção. O problema é que sem arrecadação significativa, caso o projeto altere a lei do Fust para permitir isenção total, os projetos de menor interesse econômico podem ser inviabilizados – o que reduziria o impacto da aplicação dos recursos para a diminuição das desigualdades regionais.
  • O projeto torna o Conselho Gestor do Fust uma instituição de fachada, uma vez que permitiria que, mesmo se um projeto de investimento apresentado pelas empresas fosse negado por ele, o setor privado poderia recorrer ao chefe do Executivo responsável – o Ministro das Comunicações, pressupomos – para obter a autorização. Ou seja, permitiria que a avaliação técnica e multissetorial fosse substituída por uma canetada atendendo a não sabemos quais interesses políticos.
  • Não bastasse, o projeto propõe que o Conselho Gestor do fundo tenha que decidir em sessenta dias sobre uma proposta de projeto para ser apoiada pelos recursos do Fust – ou o projeto estará automaticamente autorizado. A previsão de sessenta dias ignora completamente a complexidade dos projetos em telecomunicações e a necessidade de avaliação do valor sugerido com aqueles praticados no mercado. A definição de um prazo para definição de todos os projetos ignora a possibilidade de o conselho ter uma fila de propostas para analisar e, inclusive, a necessidade de compreender como podem, ou não, serem conflitantes ou complementares.
  • Por último, vale dizer, que o substitutivo parece ter cometido um erro ao reincluir as empresas de radiodifusão na contribuição do Fust, no que seria o Art. 6º-A da lei em questão. A Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu, em 2019, pela não incidência da contribuição do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) no serviço de radiodifusão.

Pelos motivos apresentados o Intervozes, o Instituto Telecom, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e o IP.Rec entendem que o relatório do PL  nº 14.109, de 2020 deve ser revisto pelo proponente ou, caso mantido como está, rejeitado pelos integrantes da comissão.