CDR envia recomendações a deputados para garantir proteção de dados na reforma do Código de Processo Penal

Ontem (4/8), a Coalizão Direitos na Rede enviou um ofício para a deputada relatora Margarete Coelho (PP-PI), coordenadora do Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados que analisa a reforma do Código de Processo Penal, com recomendações técnicas pela garantia do direito autônomo à proteção de dados no âmbito das atividades de persecução penal exercidas pelo Estado.

Leia abaixo a carta na íntegra:

A Sua Excelência 

Senhora Deputada Margarete Coelho

Coordenadora do Grupo de Trabalho destinado elaborar proposição legislativa (anteprojeto) do novo Código de Processo Penal em substituição ao diploma processual vigente (GTCPP)

Aos cuidados dos Membros do GTCPP

Assunto: Carta da Coalizão Direitos na Rede a respeito de proposta de emendas aos Títulos I e II do Substitutivo, item “a” do Roteiro de Trabalho do GTCPP 

Estimados Senhores Deputados membros do GTCPP,

A Coalizão Direitos na Rede (CDR) é uma rede de entidades que reúne 48 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais, tendo como temas principais de atuação a defesa do acesso, liberdade de expressão, proteção de dados pessoais e privacidade na Internet. As entidades que integram o coletivo participaram ativamente da construção de políticas públicas de Internet de grande relevância para o Brasil, como o processo de discussão e elaboração do Marco Civil da Internet e de seu decreto regulamentador, bem como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Em vista dos debates conduzidos no âmbito deste Grupo de Trabalho, gostaríamos de ressaltar a importância da proteção de dados pessoais, já reconhecida como um direito fundamental autônomo pelo Supremo Tribunal Federal em 2020, para a modernização do regime processual penal brasileiro. Conforme mencionado em posicionamento anterior a respeito da Reforma do Código de Processo Penal encaminhado para a Comissão Especial presidida pelo Dep. João Campos, a CDR afirmou uma relativa preocupação a respeito do texto do relatório em função da potencialidade do texto em promover uma expansão desmedida das hipóteses autorizativas de medidas de retenção de dados – ou seja, da guarda massiva e obrigatória de dados para posteriores investigações – sem conferir salvaguardas suficientes aos direitos fundamentais e aos princípios que devem ser aplicados em casos envolvendo a proteção de dados pessoais, como finalidade, adequação, necessidade, segurança e qualidade dos dados.

Nesse sentido, vale mencionar que a proposta de Projeto de Lei resultante dos trabalhos do GTCPP deverá estar focada em promover uma relevante atualização do  processo penal brasileiro para a era digital e, ao mesmo tempo, evitar atingir garantias constitucionais e o devido processo legal, que devem estar na base do Estado Democrático de Direito. Juntamente com a preservação do devido processo legal, entendemos ser relevante a promoção de princípios como o da reserva de lei, por meio de uma perspectiva que garanta o amplo direito fundamental à autodeterminação informacional e o livre desenvolvimento da personalidade humana

Um arcabouço regulatório que efetive o direito autônomo à proteção de dados ante a observância das garantias constitucionais à intimidade, inviolabilidade do domicílio, presunção de inocência, não-discriminação e devido processo processo legal é fundamental para os brasileiros e brasileiras. Ainda, é condição para uma inserção efetiva do Brasil nos circuitos de cooperação jurídica internacional em matéria de persecução penal. Aqui, o objetivo principal é que eventuais atividades de coleta e processamento de dados necessárias para a realização das atividades de persecução penal e guarda de provas digitais não sejam realizadas sem a devida autorização na lei e que sejam balizadas por mecanismos proibitivos de eventuais atuações excessivas do estado (princípio da proibição de excesso). 

Ante as razões acima mencionadas, a Coalizão Direitos na Rede recomenda a inclusão da sugestão de redação apresentada no presente ofício, a fim de garantir que eventuais atividades de coleta e processamento de dados pessoais realizadas no âmbito das atividades de persecução penal exercidas pelo Estado não representem quaisquer danos para o livre exercício do direito autônomo à proteção de dados pessoais no Brasil. 

TÍTULO I 

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. º – As operações de tratamento de dados pessoais realizadas no âmbito das atividades de persecução criminal deverão gozar de previsão legal expressa e observarão os princípios de proteção de dados pessoais estabelecidos pela Lei 13.709/2018.

No mesmo sentido, entendemos serem importantes os seguintes pontos: 

  1. Inclusão da sugestão de artigo supramencionado para permitir um primeiro aprimoramento das discussões realizadas pelo GTCPP, ante os riscos que o texto pode apresentar para o direito autônomo à proteção de dados pessoais e demais direitos fundamentais dos brasileiros e brasileiras e para o desenvolvimento de um ambiente digital robusto e seguro.  Adicionalmente, entendemos que tal proposta beneficiará a inserção do Brasil nas cadeias de cooperação jurídica internacional em persecução penal.
  2. Ampliação do debate em torno do texto no que se refere à tutela jurídica da prova digital por meio da realização de reuniões técnicas com entidades interessadas, a fim de que a redação final seja fruto de um debate multissetorial e multidisciplinar capaz de  refletir a composição diversa e plural da sociedade brasileira e os alicerces do Estado Democrático de Direito. 

Entendemos que o atendimento aos pedidos apresentados na presente nota representa um compromisso da Relatora e dos membros do GTCPP com a proteção dos direitos humanos na era digital e nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos que se façam necessários. 

Atenciosamente, 

Coalizão Direitos na Rede
Brasília, 4 de agosto de 2021.