Coalizão Direitos na Rede é reconhecida como heroína em prêmio sobre direitos

Rede de ativistas foi reconhecida por sua atuação em defesa do Marco Civil. Ministros Alexandre de Moraes e Raul Jungmann foram considerados vilões por falta de transparência na gestão de tecnologias de vigilância durante os Jogos Olímpicos

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A Coalizão Direitos na Rede, que reúne ativistas e organizações da sociedade civil em defesa dos direitos humanos no uso da Internet no Brasil, foi reconhecida como heroína por sua luta contra os ataques que visam minar as garantias jurídicas do Marco Civil da Internet pela organização internacional Access Now. A Coalizão divide o posto com ativistas internacionais como a advogada mexicana Gisela Perez de Acha, que foi premiada por denunciar as contratações do HackingTeam — uma empresa italiana especializada em espionagem — na América Latina.

A premiação é promovida pela Access Now desde 2014 e ocorre anualmente para marcar o aniversário dos “Princípios Internacionais de Aplicação dos Direitos Humanos à Vigilância das Comunicações”, os chamados 13 Princípios. Entre os premiados dos anos anteriores encontram-se Edward Snowden e a ex-presidenta brasileira, Dilma Rousseff, por sua atuação em defesa dos direitos digitais no âmbito internacional.

Além dos herois, a Access Now aponta anualmente quem foram os vilões no cumprimento dos 13 Princípios. Os ministros Raul Jungmann e Alexandre de Morais ficaram com o posto de vilões na área de transparência por “administrarem medidas de segurança invasivas nas Olimpíadas do Rio de forma pouco transparente”. A organização chamou atenção para o fato de que as tecnologias de vigilância em massa adquiridas no contexto desses megaeventos foram incorporadas de forma definitiva por parte das autoridades policiais e que há pouca informação sobre os limites de sua utilização no futuro. O Brasil tem sido criticado internacionalmente pela falta de transparência com “políticas anti-terror” e métodos de monitoramento de cidadãos e movimentos sociais.

Na América Latina, Carlos Slim, presidente da América Móvil (Grupo Claro), foi considerado vilão pelo baixíssimo ranking de proteção à direitos humanos, segundo mapeamento da Ranking Digital Rights.

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O que a Coalizão tem feito no Brasil?

Com o objetivo de defender princípios fundamentais para a garantia de uma Internet com acesso universal, respeito à neutralidade da rede, liberdade de informação e de expressão, segurança e respeito à privacidade e aos dados pessoais, assim como assegurar mecanismos democráticos e multiparticipativos de governança, a Coalizão Direitos na Rede surgiu em julho 2016 a partir da necessidade das entidades em contra-atacarem um cenário político de ameaças constantes e crescentes às liberdades e direitos dos cidadãos e cidadãs na Internet.

A primeira ação da Coalizão foi denunciar o ataque do governo Temer e do ministro Kassab ao sistema multicipartipativo do Comitê Gestor da Internet — anunciado pela Folha de São Paulo e comentado nos bastidores das empresas de Telecom. Tal sistema é garantido pelo Capítulo V do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que traz diretivas para atuação do poder público com relação ao desenvolvimento da Internet brasileira e que tem como uma das normas a priorização, por parte do governo, por mecanismos de governança multiparticipativa, promovendo a expansão da Internet “com participação do Comitê Gestor da Internet”. Cogitava-se, no início da gestão Kassab, diminuir participação da sociedade civil e fortalecer o papel das grandes empresas de Telecom.

A campanha “Não ao desmonte do CGI!” mobilizou ativistas e redes sociais, promovendo a defesa do CGI com amparo no Marco Civil da Internet. A Coalizão também editou o manual “Como participar do Comitê Gestor da Internet?”, direcionado a ONGs brasileiras. O documento foi distribuído online e divulgado fisicamente em eventos como o “Seminário Franquia de Dados na Internet Fixa” do Idec e o “Seminário de Privacidade” do CGI.

Divulgação do manual sobre o CGI (crédito: Rafael Zanatta)

O segundo feito da Coalizão foi o lançamento do site https://direitosnarede.org.br, onde há instrumentos para mobilização contra os “10 Ataques à Internet no Brasil”. O site oferece uma ferramenta de acompanhamento de projetos de lei que tocam em questões de privacidade, liberdade de expressão e acesso à Internet.

Por meio de sua ampla rede de ativistas, a Coalizão tem promovido a defesa dos pilares do Marco Civil da Internet e denunciado os ataques aos direitos conquistados nos últimos anos no Brasil. Recentemente, a Coalizão organizou um grupo de trabalho de conjuntura para operar em Brasília, em um cenário de retrocessos, crescimento do vigilantismo e ausência de diálogo do governo com a sociedade civil organizada.

A premiação da AccessNow é o primeiro reconhecimento internacional concreto do trabalho feito pela Coalizão no Brasil.

Ativistas e membros da Coalizão Direitos na Rede (crédito: Bia Barbosa)

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Limites à vigilância estatal

Os 13 Princípios foram desenvolvidos por uma coalizão global de organizações da sociedade civil e especialistas em privacidade e tecnologia para orientar como os instrumentos de direitos humanos existentes se aplicam às tecnologias de vigilância digital modernas.

Lançados em 2013, os princípios foram endossados por 600 organizações de todo o mundo e determinam que quaisquer mecanismos de vigilância estatal devem ser precedidos por leis conhecidas por todos os cidadãos de um país (legalidade), ter um fim legítimo e restringir ao mínimo necessário para atingi-lo (necessidade).

Além disso, as ações de vigilância devem ser adequadas, proporcionais e obedecer um devido processo legal. Políticas de vigilância devem ser supervisionadas democraticamente e cidadãos e cidadãos devem ser notificados quando forem objeto de tais práticas. Todos os princípios e uma explicação detalhada sobre cada um deles pode ser encontrada em português aqui.

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Publicado por Jana Spode (CCD-POA), Jamila Venturini (CTS-Rio) e Rafael Zanatta (Idec).