PLC79: Projeto limita a ampliação da banda larga

PLC79: PROJETO LIMITA A AMPLIAÇÃO DA BANDA LARGA

Com o avanço das tecnologias de comunicação e informação, o serviço de telefonia fixa deixou de ser essencial para os cidadãos, já havendo um consenso estabelecido na sociedade de que não cabe mais ao Estado brasileiro mantê-lo entre as prioridades das políticas públicas de telecomunicações. Ao mesmo tempo, sua relevância e racionalidade econômica também diminuíram para os agentes privados que o exploram. Neste contexto, torna-se razoável o pleito das operadoras do serviço de solicitar o encerramento antecipado dos contratos de concessão que regem a prestação da telefonia fixa, previstos para terminar somente em 2025, e de passar a ofertar o serviço em modelo de autorização, em regime privado, assegurada sua continuidade para a população que ainda depende do STFC – incluindo aí os orelhões. O impasse em torno da transição do regime público para o privado na telefonia fixa
não gira, portanto, em torno dessa questão. Mas sim do fato de que a infraestrutura usada para a oferta da telefonia fixa hoje é extremamente importante e intensamente utilizada para prover conexões à Internet – este, sim, um serviço essencial para o exercício da cidadania, conforme disposto nos arts. 4º e 7º, da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), devendo estar disponível a todos. Ou seja, o serviço de telefonia fixa – em declínio – e a infraestrutura que o suporta – ainda relevante – não podem ser
confundidos, de maneira que, independentemente do regime de prestação do serviço de telefonia fixa, é fundamental que, mesmo depois de encerrados os contratos de concessão, a natureza pública dessas redes seja mantida e sua capacidade esteja sujeita ao cumprimento de políticas públicas de inclusão digital. Ainda, os benefícios econômicos oriundos da mudança da concessão para autorização, bem como o saldo das obrigações não cumpridas de universalização do serviço de telefonia, por acordo
entre as partes, deve também ser investido adequadamente em infraestrutura de banda larga nas áreas mais carentes. Já há muito a banda larga deveria ser prioridade nas políticas de telecomunicações.
Inclusive, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) estabelece que serviços essenciais, como a conexão à Internet, devem estar sujeitos a obrigações de universalização, atendimento, qualidade e controle de preços, cabendo ao Estado o dever de ampliar a infraestrutura destinada à conexão em banda larga, para que ela chegue a todos os brasileiros. Tal dever pode ser cumprido por investimento direto em construção de redes, por intermédio da Telebras ou de novas licitações e leilões, por exemplo, ou por
meio de obrigações estabelecidas às prestadoras. Afinal, desde a privatização do setor, no final dos anos 1990, muita coisa mudou e é preciso, de fato, que se faça uma revisão do modelo de forma a definir garantias regulatórias que respondam à demanda crescente por acesso à Internet e preparem o País para os desafios futuros. O PLC 79/2016, entretanto, não garante nada disso. Trata-se de um projeto com
alterações pontuais na LGT, que atendem apenas aos interesses privados de poucas empresas, sem dar uma resposta institucional adequada à demanda da sociedade brasileira. Mais um “puxadinho regulatório” inaceitável, que trará insegurança jurídica para o setor em vez de promover uma revisão séria e completa da LGT, que adeque a legislação brasileira para o futuro. Entenda por que:

INCÓGNITA QUANTO À VALORAÇÃO DOS BENS REVERSÍVEIS

Ao retirar a telefonia fixa do modelo de concessão, a infraestrutura pública que vinha sendo usada pelas operadoras privadas para a oferta do serviço deveria retornar ao Estado. Mas, pelas regras do PLC 79, as redes passariam ao controle privado e, em troca, as empresas fariam investimento, em suas próprias redes, em troca de investimento. Um grande risco, porém, é a subvaloração desse patrimônio público – para que se concretize apenas um mínimo desembolso pelas empresas, gerando diminuta ampliação das redes, em troca da entrega dos bens públicos. Essa é a estratégia por trás da ampla campanha tem sido feita para convencer a população e os parlamentares que a infraestrutura ligada ao sistema de telefonia fixa não vale nada. Mas isso não é verdade.
De acordo com o CETIC.br, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a conexão à Internet utilizando a tecnologia DSL (rede de cobre, da telefonia fixa) ainda representa percentual significativo das conexões domiciliares do país. Adicionalmente, ainda que o usuário não saiba, as redes de cobre suportam as conexões tanto na rede fixa quanto na móvel. Independente da tecnologia para o usuário final, boa parte do escoamento do tráfego em rede de longa distância se dá nas redes de cobre. Concretamente, essa infraestrutura responde por mais de 45% do tráfego de dados das empresas concessionárias Oi e Telefônica. Além do valor da rede, deve-se contabilizar também o valor dos dutos (obras de engenharia civil distribuídas por todo o território nacional), além de milhares de imóveis, em áreas nobres de capitais como Rio de Janeiro e São Paulo.
O PLC 79/2016 não apenas altera a LGT para desobrigar a devolução dos bens para o Tesouro, como também estabelece que apenas a porção das redes usadas para a telefonia fixa atualmente devem fazer parte do cálculo e que este deve se dar não pelo valor de mercado dos bens, mas exclusivamente pelo fluxo de caixa gerado. Ou seja, prédios e dutos não serão contabilizados. Isso significa, na prática, reduzir, em centenas de milhões, o recurso disponível para investimento e a possibilidade de um avanço na infraestrutura de banda larga nas áreas mais deficitárias.

AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS PARA INVESTIMENTO

O texto em discussão no Senado troca a indenização ao Estado pelas empresas se optam por ficar com os bens reversíveis por investimentos das operadoras em suas próprias rede de banda larga. Mas os termos do PLC 79/2016 são insuficientes para direcionar a aplicação desses recursos, assim como do saldo das obrigações incompletas de universalização da telefonia fixa, em lugares que efetivamente demandam investimentos. O projeto de lei limita-se a estabelecer que “os compromissos de investimento priorizarão a implantação de infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados em áreas sem competição adequada e a redução das desigualdades, nos termos da regulamentação da Agência”. Tais termos são absolutamente insuficientes, a começar pelo termo “priorizarão”, especialmente diante do risco de captura da Anatel pelas empresas e seus interesses. Mas além disso, não há prazos ou previsão de sanção diante do não cumprimento.
O texto é ruim e poderia ser facilmente melhorado. A simples previsão de investimento prioritário de acordo com o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações, desenvolvido pela área técnica da Anatel, e revisado anualmente, daria maior segurança de que tais recursos teriam como prioridade o atendimento às parcelas mais necessitadas da população. Também o estabelecimento da priorização para investimento nas regiões mais deficitárias de infraestrutura e um prazo de cumprimento das novas obrigações dariam maior segurança de que o interesse público seria alcançado.

RESTRIÇÃO À GERAÇÃO DE EMPREGO E RENDA EM TODO O PAÍS

Não bastasse o Estado perder sua capacidade regulatória sobre uma infraestrutura pública, da forma como está elaborado, o PLC 79/16 ainda permite que este recurso da União venha a ser usado exclusivamente por algumas empresas, excluindo a possibilidade de participação de outros grupos empresariais na utilização de recursos que são público, ampliando ainda mais a concentração do setor e facilitando a criação de oligopólios. Se efetivada, tal entrega representará uma violação ao art. 37 da Constituição Federal, que estabelece, para casos como este, o princípio da impessoalidade e da obrigatoriedade de licitação, para a garantia de condições isonômicas no mercado de telecomunicações. Se pelo menos houvesse no PLC uma obrigação de que os investimentos a serem feitos pelas operadoras ocorram em redes de transporte de alta capacidade (backbone e backhaul), a serem ofertadas no atacado conforme regulação da Anatel, outros agentes econômicos, e não apenas as concessionárias de telefonia fixa, também poderiam se beneficiar dos recursos da União. Tal simples previsão garantiria benefícios para todo o setor e aceleraria a conexão de domicílios.

CONCORRÊNCIA DESLEAL E CONCENTRAÇÃO

No Brasil, existem atualmente cerca de 10 mil pequenas e médias empresas, não vinculadas aos grupos das concessionárias do serviço de telefonia fixa, atuando em pequenas cidades do interior para oferecer conexão à Internet. Trata-se de um segmento pujante que, em 2018, foi responsável por mais de 90% dos novos usuários de banda larga fixa. Os provedores regionais também são o segmento que mais cresce em oferta de fibra óptica, com 63% das adições de novos usuários. Em outras palavras, são os provedores regionais que mais têm contribuído para o desenvolvimento social por meio da disponibilização do acesso à Internet nos rincões do país e mais têm proporcionado melhoria na qualidade das conexões ao liderarem as adições de usuários em fibra óptica. A aprovação do PLC 79/2016, como visto, o Senado ignora este universo de pequenos e médios empresários, que deveriam poder disputar mercado com as concessionárias de telefonia fixa para ampliar, de fato, a conectividade no país, gerando oportunidades de emprego e renda em todo o Brasil.

REDUÇÃO DA ARRECADAÇÃO DO FUST

O PLC 79/2016 altera a Lei Geral de Telecomunicações para isentar as empresas de radiodifusão do pagamento da contribuição ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), essencial para garantia dos direitos dos brasileiros e para estimular a economia nacional. Trata-se de um sério equívoco, justamente num momento em que a Anatel consolidou sua proposta (via anteprojeto de lei a ser enviado em breve pelo Executivo ao Congresso) para permitir o uso dos recursos do fundo na expansão do acesso à banda larga, visando o atendimento de todas as regiões hoje desconectadas ou dependentes de infraestrutura precária. E mais, há o risco real de que a aprovação do PLC 79/2016 leve à perda do objeto na contribuição ao fundo, que atualmente, conforme a Lei Nº 9.998/2000 só pode ser aplicado na universalização da telefonia fixa. Assim, o PLC 79/2016 pode acabar com um dos poucos recursos para garantir a cidadania dos brasileiros em tempos de Internet.

ENTREGA PERPÉTUA DO ESPECTRO PARA POUCAS EMPRESAS

Atualmente, a LGT permite a renovação do direito de uso de radiofrequência “por uma única vez”. Ao término deste período de uso, a respectiva faixa de radiofrequência deve ser devolvida ao Poder Público para uma nova licitação. Desde 1997, cerca de 30 bilhões de reais foram arrecadados pela Anatel nas nas licitações de radiofrequências. Com a mudança proposta pelo PLC 79/2016, as empresas que prestam o Serviço Móvel Pessoal (telefonia celular) poderão renovar este direito de uso indefinidamente, criando uma espécie de autorização perpétua para utilização do espectro. O uso definitivo por algumas poucas empresas levará a União a abrir mão de futuras arrecadações,
favorecendo alguns entes privados em detrimento do erário. Além disso, impossibilita a entrada de novas competidoras na telefonia móvel e, como não o PLC 79/2016 não prevê regras para a garantia de acesso às frequências em um possível mercado secundário, em que as detentoras do espectro poderiam repassá-lo a terceiros, essas operadoras poderão simplesmente barrar a entrada de competidores mesmo sem fazer o uso ótimo e racional do espectro. Não há estudos suficientes apontando que a
mudança proposta no projeto levará a um aumento na eficiência do uso do espectro, na competição e na oferta aos consumidores – especialmente os do campo. E a mudança nas regras de disponibilização de recurso escasso pode justamente ter o efeito contrário: a guarda de espectro para impedir competição e a impossibilidade de novas entrantes no país.

POSIÇÕES DE SATÉLITES PERPÉTUAS

A supressão de processo licitatório para a exploração de satélite brasileiro e a possibilidade de um número indefinido de prorrogações na respectiva licença podem implicar queda da arrecadação para o erário e desestimular um ambiente de competição no segmento de satélites. Da mesma forma, fica caracterizada violação da Constituição Federal, que requer que outorgas de serviços públicos sejam concedidas mediante licitação. Colocam-se semelhantes observações quanto ao estímulo à concentração e a facilitação à formação de oligopólios. Esta disposição ainda coloca em risco a soberania nacional ao “privatizar” o uso das posições orbitais e retirar do Estado a possibilidade de definição do uso do espaço. O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC) estará com toda sua capacidade ocupada já em 2020 e as discussões em torno da necessidade de se construir e lançar um novo satélite para atender a Defesa e a população já avançam. A aprovação do PLC 79/2016 coloca em risco este projeto.

O QUE O SENADO DEVE FAZER?

Importante destacar que, caso o Executivo queira antecipar o fim dos contratos de concessão da telefonia fixa, ele pode fazê-lo por meio de rescisão amigável e posterior publicação de um decreto que detalhe como o saldo dessa antecipação pode ser investido em infraestrutura de banda larga. Hoje a LGT diz que cabe ao governo federal instituir ou eliminar a prestação de determinado serviço em regime público. E foi até hoje, por meio de decretos, que todas as alterações nos contratos de concessão na telefonia fixa e nos Planos Gerais de Meta de Universalização foram operadas. Ou seja, a demanda mais urgente que está colocada não depende do Congresso Nacional para se efetivar, ao contrário do que afirmam as empresas.
Neste sentido, nada justifica a aprovação de um projeto que traz todos esses riscos para os usuários dos serviços de telecomunicações e retrocessos do ponto de vista do interesse público. O Senado teria um enorme papel a cumprir, alterando o PLC 79/2016 de forma a adequá-lo à Constituição Federal e garantir um modelo para o fim dos contratos de concessão que efetivamente amplie a concorrência e garanta o investimento em banda larga.
Infelizmente, entretanto, um projeto desta monta está prestes a ser aprovado sem um mínimo debate na Casa, sem que os diferentes setores afetados sejam sequer ouvidos. Modificar a Lei Geral de Telecomunicações desta maneira sem a realização de uma única audiência pública, e sem que comissões importantes como a de Assuntos Econômicos, a de Serviços de Infraestrutura e a de Constituição, Justiça e Cidadania sejam ouvidas é significativamente preocupante. O Senado não pode ficar à mercê de uma paralisia imposta pelas empresas interessadas em lucrar com essas alterações na lei e também pelo Executivo. Os/as senadores/as devem ter autonomia para legislar e dialogar com a sociedade e com as diversos agentes do setor privado e abrir um debate consistente e aprofundado para o desenvolvimento econômico e humano do país. Um debate que resulte nas alterações necessárias à LGT, que não podem ser feitas por meio de mais um “puxadinho regulatório” que beneficiará poucas empresas, sem garantia de qualquer atendimento aos interesses dos cidadãos.

** Brasília, 2 de setembro de 2019

** Coalizão Direitos na Rede

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