NÃO AO ART. 3° DO PL 3696/2023

Coalizão reforça a importância do veto no Projeto, que foi enviado para ser sancionado

A Coalizão Direitos na Rede (CDR), que reúne mais de cinquenta organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos humanos nos ambientes digitais, vem a público alertar sobre os perigos do art. 3° do Projeto de Lei nº 3696 de 2023. O PL, cujo texto aprovado já foi enviado para sanção presidencial, conta com um “jabuti” que é um risco para a liberdade de expressão no país e precisa ser vetado.

O art. 3° dá à Ancine o amplo poder de “determinar a suspensão e a cessação do uso não autorizado de obras brasileiras ou estrangeiras protegidas”. Na prática, a proposta dá um super-poder regulatório para a agência – que parece se estender para muito além do cinema, abarcando qualquer conteúdo audiovisual.

Além disso, não há qualquer salvaguarda, nem mesmo principiológica, aos direitos dos usuários e consumidores, para evitar denúncias falsas ou mal-intencionadas. Nesse sentido, é especialmente danosa a ausência de qualquer menção ao domínio público ou às limitações e exceções do direito autoral, colocando em risco os direitos fundamentais de liberdade de expressão e de acesso à cultura. O risco viria justamente de potenciais abusos ou exercício equivocado de um poder, até então restrito ao Poder Judiciário, que é agora concedido à Ancine com menos garantias de ampla defesa e contraditório.

Há claro potencial de restrições à liberdade de expressão dos usuários e de seus direitos de acesso à cultura, uma afronta às garantias estabelecidas na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e na Constituição Federal de 1988. Ainda, há efeitos deletérios em respeito à livre organização do mercado, uma vez que permitiria uma intervenção desproporcional e da Ancine sobre as empresas. Em adição, há problema grave em relação ao devido processo legal, pois o dispositivo propõe a retirada do exercício de um potencial direito à livre expressão por decisão administrativa sem previsão de direito à defesa, ou mesmo notificação.

Ainda que o combate à pirataria digital seja um tema importante, ele não deve ser implementado de forma atropelada, ou sem levar em consideração os balanceamentos necessários para não atingir usos legalmente permitidos e evitar erros nas decisões.

Vale destacar que a existência de mecanismos administrativos para bloqueio de sites que infringem direito autoral é uma solução excepcional no mundo, e sempre implementada dentro de quadros normativos que mitigam a possibilidade de arbitrariedades ou erros. Mesmo aqueles que defendem  a efetividade dessas ferramentas apontam a importância de se estabelecer salvaguardas para evitar abusos dos titulares ou dos órgãos do poder público – o que não existe no texto da lei.

Não há qualquer esforço em tentar compatibilizar essa lei com o Marco Civil da Internet – da forma como está escrito, o PL parece dar à Ancine um poder de ordenar a retirada de conteúdos sem que, em tese, as plataformas possam ser responsabilizadas caso não cumpram a ordem administrativa.

Proposta similar já foi aventada – e rechaçada – em 2021. A Ancine havia proposto Instrução Normativa para ser a intermediária na persecução de infrações de direito autoral, como um “Procon dos direitos autorais“. Assim como no art. 3º do PL nº 3696/2023, é sugerido o bloqueio de conteúdos de terceiros publicados online – no caso, obras protegidas –, a serem fiscalizados pela Ancine. Após consulta pública, a resposta foi esmagadoramente negativa.

O art. 3º do Projeto de Lei nº 3696/2023 tenta reavivar uma proposta que já foi enterrada por seus reconhecidos riscos e deve ser novamente rechaçada, ainda que agora surja na forma de um “jabuti” inserido às pressas em um PL cujo escopo era notadamente diferente do objeto do referido artigo.

Dessa forma, a Coalizão Direitos na Rede se manifesta pelo veto do art. 3º do PL nº 3693/2023 e pede por uma Consulta Pública sobre o tema, para garantir que ele seja adequadamente regulamentado e implementado.

Brasília, 15 de Dezembro de 2023.

Entidades que integram a Coalizão Direitos na Rede

  1. Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação
  2. Actantes
  3. Amarc Brasil – Associação Mundial de Rádios Comunitárias
  4. ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
  5. AqualtuneLab – Cruzando o Atlântico
  6. Artigo 19
  7. ASL – Associação Software Livre
  8. Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom
  9. Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa
  10. Casa da Cultura Digital de Porto Alegre
  11. Casa Hacker
  12. Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
  13. Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho – CPCT-ECA/USP
  14. Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH
  15. Ciranda da Comunicação Compartilhada
  16. Coding Rights
  17. Colaboratório de Desenvolvimento e Participação - COLAB-USP
  18. Coletivo Digital
  19. Coolab – Laboratório Cooperativista de Tecnologias Comunitárias
  20. Creative Commons Brasil
  21. data_labe
  22. DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia
  23. Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
  24. Garoa Hacker Clube
  25. Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação/GPoPAI da USP
  26. Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
  27. Instituto Aaron Swartz
  28. Instituto Bem-Estar Brasil
  29. Instituto Beta: Internet & Democracia
  30. Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife – IP.rec
  31. Instituto Educadigital
  32. Instituto Igarapé
  33. Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS
  34. Instituto Nupef
  35. Instituto Observatório do Direito Autoral – IODA
  36. Instituto Telecom
  37. Instituto Vero
  38. Internet Sem Fronteiras Brasil
  39. InternetLab – Centro de pesquisa em direito e tecnologia
  40. Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
  41. ITS-Rio - Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
  42. LAPCOM – UnB – Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB
  43. LAPIN – Laboratório de Políticas Públicas e Internet
  44. LAVITS - Rede latina-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e Sociedade
  45. Me Representa
  46. Movimento Mega
  47. NUREP – Núcleo de Pesquisas em Direitos Fundamentais, Relações Privadas e Políticas Públicas
  48. O Panóptico – CESeC
  49. Observatório da Ética Jornalística – objETHOS
  50. Open Knowledge Brasil
  51. Instituto Alana
  52. Projeto Saúde e Alegria
  53. PROTESTE - Associação de Consumidores
  54. Transparência Brasil
  55. Wiki Movimento Brasil