Sociedade civil exige esclarecimentos sobre Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020

Na última sexta-feira (30 /10), entidades da Coalizão Direitos na Rede (CDR) encaminharam pedidos de esclarecimentos, via Lei de Acesso à Informação (LAI), ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal sobre o Plano Integrado de Segurança Pública para Eleições 2020. Até o momento, pouco se sabe dos métodos e instrumentos que serão utilizados pelos órgãos de segurança nos pleitos de novembro. Há o receio de que eles possam implicar em violações aos direitos à privacidade, à proteção de dados pessoais, à liberdade de expressão e outros. Confira abaixo os problemas identificados pela CDR e os questionamentos levantados em busca de transparência.

1. Contexto

No dia 16 de outubro de 2020, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza, lançaram o Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020. No último dia 27, o Plano foi apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral. Ele será coordenado pelo Ministério por meio da Secretaria de Operações Integradas (Seopi).

De acordo com informações divulgadas na imprensa, o objetivo do plano é traçar diretrizes que permitam a integração dos órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos na operação de segurança do pleito de 2020, em apoio ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos Tribunais Regionais Eleitorais. O plano estaria previsto na Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança Pública (DNAISP) e contemplaria as diretrizes para que cada estado elabore o seu próprio plano operacional, respeitando as atribuições legais de cada órgão e instituição, para garantir que a atuação das forças de segurança seja eficiente.

A Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança Pública foi elaborada em 2019 a partir da experiência do conceito de Comando e Controle dos grandes eventos, que contou com a contribuição dos representantes da segurança pública dos estados da federação presentes no Centro Integrado de Comando e Controle Nacional (CICCN). Segundo o MJSP, trata-se de uma metodologia de gestão aplicada à segurança pública e defesa social que promove atuação integrada, a sinergia de esforços e a interoperabilidade de sistemas.

De acordo com as informações divulgadas sobre o Plano Integrado de Segurança, representantes da área de Segurança Pública dos 26 estados vão acompanhar, em tempo real, eventuais ocorrências durante a realização das Eleições Municipais. Para isso, foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica entre a Secretaria de Operações Integradas do MJSP e a Polícia Federal, que irá atuar de maneira integrada com as secretarias de segurança pública dos estados e com outros órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos na organização e segurança das eleições.

Os resultados do monitoramento de ocorrências de crimes eleitorais em cada estado alimentarão o sistema Córtex, da Seopi, que poderá ser acessado permanentemente pelo Ministério da Justiça, o TSE e o Ministério Público Eleitoral, visando respostas rápidas.

2. Drones

Segundo a imprensa, o plano prevê uso de drones para tentar coibir crimes como compra de voto, boca de urna e transporte irregular de eleitores. A um custo de R$ 200 mil cada, 100 drones vão sobrevoar mais de 100 locais de votação no dias do primeiro (15/11) e segundo turno (29/11). Em princípio, os locais a serem sobrevoados são onde há maior número de eleitores e que mais apresentaram problemas nas últimas eleições.

Os drones podem alcançar 120 metros de altura e varrer um raio de 6 km do local a ser monitorado. O equipamento permite uma ampliação de até 180 vezes das imagens captadas pela câmara, podendo identificar pessoas, placas de carro e possíveis crimes eleitorais. Segundo a PF, os drones vão ampliar a segurança e permitir uma atuação mais precisa dos agentes nas ruas para prevenir e reprimir crimes eleitorais. Não foram divulgadas informações sobre quantos drones irão para cada estado e em quais localidades serão utilizados.

Segundo o diretor-geral da Polícia Federal, a instituição tem “sistemas que estão cruzando dados de bases diversas e, automaticamente, apontarão situações suspeitas. Com isso, atuaremos com mais precisão nos casos, verificando o uso de recursos repassados e a forma como a votação aconteceu nos estados e municípios, entre outras anormalidades. Os suspeitos enfrentarão inquéritos e, provada a responsabilidade, responderão criminalmente pelo ato”, disse Rolando Alexandre de Souza no evento de apresentação do plano.

3. Rastreamento de mensagens

Como parte do Plano, o Ministério da Justiça também divulgou à imprensa que a Política Federal dispõe de “mecanismos de tecnologia que conseguem captar a disseminação de propaganda irregular na internet e de conteúdo falso, as chamadas fake news”, disse o Ministro André Mendonça. “O sistema de Justiça, como um todo, hoje tem instrumentos pra prevenir e se for o caso, abrir investigações no campo de fake news“, afirmou Mendonça.

Segundo o presidente do TSE, trata-se de um software que consegue “percorrer o caminho de volta das notícias falsas e chegar na sua origem e, portanto, nós podemos detectar de onde vem essas tentativas de difusão da mentira, de desacreditar as instituições e de fazer mal à democracia”.

De acordo com o ministro Barroso, a preocupação do TSE é com “grupos estruturados, com hierarquia similar à de tropas de mercenários, que disseminam fake news a partir de uma origem centralizada e depois atacam pessoas e instituições. Estamos muito empenhados em enfrentar o hackeamento e a desinformação. É bom saber que a Polícia Federal hoje tem programas capazes de identificar, em muitas situações, o ponto de partida das notícias falsas e chegar aos seus autores”, completou.

4. Do pedido de acesso à informação

Considerando as previsões da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11), a transparência ativa é dever do poder público, que deve publicar, independentemente de requerimentos, informações de relevante interesse público e coletivo produzidas ou mantidas por entidades públicas. Entre essas informações, incluem-se dados gerais para o acompanhamento de políticas públicas, como é o caso em questão.

Considerando que o Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020 não encontra-se disponível nos canais de comunicação dos órgãos por ele responsáveis, a Coalizão Direitos na Rede e outras entidades da sociedade civil que integram a organização solicitaram as seguintes informações para o Ministério da Justiça e Segurança Pública e para a Polícia Federal:

1. Questões Gerais

1.1. Onde o Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020 pode ser consultado em sua integralidade?

1.2. Poderiam anexar uma cópia do Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020?

1.3.  Poderiam enviar a identificação e documentação dos editais de compras, licitações e  contratos públicos que permitiram a obtenção das ferramentas tecnológicas (software, programas e sistemas de informação) e a contratação de consultorias anunciados no âmbito do Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições? Caso as informações estejam disponíveis em transparência ativa, favor enviar lista que identifique todos editais de licitação e os contratos do Plano em questão.

1.4 Algumas reportagens veiculadas no dia 27 de outubro de 2020 divulgaram que o uso de drones seria empregado para o reconhecimento de pessoas e placas de carros em zonas eleitorais problemáticas. Qual o critério empregado pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para definir uma determinada zona eleitoral ou bairro como problemático ?

2. Uso de drones para reconhecimento de indivíduos e placas 

2.1. Qual(ais) o(s) modelo(s) específico(s) do(s) drone(s) que serão utilizados pela Polícia Federal nas eleições como parte do Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020?

2.2. Qual empresa e/ou fornecedor no Brasil foi o responsável pela venda dos drones e câmeras? Poderiam anexar uma cópia dos contratos de aquisição por parte da Polícia Federal ou do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com a exclusão de eventuais informações de segredo comercial?

2.3 Caso o fornecedor não seja uma empresa brasileira, poderiam informar qual é o país de proveniência da tecnologia?

2.4. As câmeras utilizadas nesses drones são um recurso de fábrica, ou seja, fazem parte da arquitetura padrão do drone ou são um periférico? Caso sejam periféricos, poderiam especificar o(s) modelo(s) da(s) câmera(s) utilizada(s), bem como informações sobre o sistema?

2.5. Qual empresa é a fabricante das câmeras e do sistema utilizado para realizar a identificação das pessoas e dos drones?

2.6. As câmeras dos drones ou o sistema ao qual estão conectadas realizam reconhecimento facial e/ou tratam qualquer tipo de dado biométrico? Se sim, favor fornecer informações detalhadas sobre o sistema utilizado e o desenvolvedor das tecnologias usadas.

2.7. O emprego de drones e câmeras em zonas eleitorais utilizará quais bases de dados para fins de reconhecimento de indivíduos e placas? Essas bases de dados já estão sob a tutela do Ministério da Justiça e Segurança Pública ou serão alimentadas por meio do sistema Córtex?

2.8. Qual órgão será gestor da base de dados referente às imagens coletadas pelos drones? 

2.9. Por quanto tempo as imagens coletadas pelos drones serão armazenadas pelo poder público? Qual é o prazo para eliminação de todos os dados coletados?

2.10. Há mecanismo para uma pessoa requerer acesso aos dados coletados pelo sistema? Como ela pode fazer essa requisição?

3. Software de rastreabilidade de mensagens 

3.1. Qual o software adquirido pela Polícia Federal que será utilizado “para rastrear a origem das mensagens que podem vir a ser consideradas fake news”, conforme declaração do Ministro da Justiça, durante o processo eleitoral de 2020 e qual o fornecedor desse programa?

3.2. Como o software funciona e qual o mecanismo utilizado para comprovar a autoria de determinada mensagem?

3.3. Há funcionalidades de inteligência artificial envolvidas na execução deste software? Caso positivo, a tecnologia de inteligência artificial utilizada é proprietária da empresa responsável pelo software ou cedida por outra companhia? Se for cedida, por qual empresa?

3.4. Na cerimônia de lançamento do Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020, o diretor-geral da Polícia Federal Rolando Alexandre de Souza afirmou que o software utilizado para investigar notícias falsas “(…)estão cruzando dados de bases diversas e, automaticamente, apontarão situações suspeitas(..)”. Poderiam especificar quais bases de dados são utilizadas para a execução deste software? 

3.5. Em relação à pergunta anterior, a Polícia Federal já tinha acesso a todas essas bases de dados ou esse acesso ocorre dentro do contexto específico do Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020?

3.6. Como esse mecanismo funciona em caso de aplicativos que utilizam a criptografia ponta a ponta como base?

3.7. Em quais aplicações de serviço de mensageria e de publicação de mensagens (por exemplo: Facebook, Instagram, Twitter, Whatsapp, Telegram, Signal, etc.) o software será utilizado? 

3.8 Há cooperação estabelecida com essas empresas provedoras de aplicações de internet para que o software rode em seu interior? Se sim, poderiam compartilhar os contratos de cooperação? 

4. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

4.1. Na adoção e implementação do software de rastreamento de notícias falsas anunciado pelo Ministério da Justiça como parte do Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020, foram considerados os princípios e hipóteses de tratamento de dados previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, em especial os princípios da necessidade e da mínima coleta de dados? Se sim, por favor, gostaríamos de ter acesso à análise em questão.

4.2. Quais dados pessoais são rastreados e coletados pelo software e como eles serão utilizados pelo Ministério da Justiça e pela Polícia Federal? 

4.3. Há previsão de compartilhamento ou interoperabilidade dos dados coletados entre diferentes órgãos estatais ou entre estes e pessoas jurídicas de direito privado? Se sim, quais são os órgãos/organizações que têm acesso a esses dados e qual a base legal estipuladas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ou a norma que fundamenta este compartilhamento?

4.4. Qual o critério e o período para eliminação dos dados coletados pelo software?

4.5. Passado o processo eleitoral, quais os demais usos previstos para este software por parte da Polícia Federal?

4.6. Na coleta de biometria facial ou de imagens de placas de carros previstas na utilização de drones pelo Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020, estão previstos os princípios e hipóteses de tratamento de dados previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, em especial os princípios da necessidade e da mínima coleta de dados? Se sim, gostaríamos de ter acesso à análise em questão.

4.7. Há previsão de compartilhamento ou interoperabilidade dos dados coletados pelos drones entre diferentes órgãos estatais ou entre estes e pessoas jurídicas de direito privado? Se sim, quais são os órgãos/organizações que têm acesso a esses dados e qual a base legal estipulada na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ou a norma que fundamenta este compartilhamento?

4.8. Qual o critério e o período para eliminação dos dados coletados pelos drones?

4.9. Foi realizado relatório de impacto à proteção de dados pessoais (RIPD) para adoção do software de rastreamento de notícias falsas e dos drones previstos no Plano Integrado de Segurança Pública para as Eleições 2020? Se sim, favor compartilhar cada um dos referidos  relatórios.

Coalizão Direitos na Rede