CP n° 5 da Anatel requer “profunda revisão de metodologia econômica” para bens

Coalizão Direitos na Rede considera imprescindível a formulação de novos termos em regulamento, que desconsiderou aspectos relevantes para a mensuração do saldo da migração do regime de telefonia fixa, de concessão para autorização

A Consulta Pública (CP) n° 5 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tratou da migração do modelo de concessões de telefonia fixa para o regime de autorização, conforme estabelecida a Lei 13.879/19 (texto que atualizou a Lei Geral de Telecomunicações, oriundo do PLC 79/2016).

A Coalizão Direitos na Rede (CDR) contratou a AC Lacerda Consultoria para analisar a metodologia proposta pela Anatel, que identificou uma série de fragilidades. A conclusão é que a CP carece de ampla e profunda revisão de metodologia econômica, pois a Anatel não levou em consideração aspectos extremamente relevantes para a mensuração do saldo da migração do regime.

“Caso o processo de apuração dos valores relativos à concessão não seja feito de acordo com a lei, de forma justa e equilibrada, o Brasil estará entregando o patrimônio estratégico das redes públicas de telecomunicações e seus dutos para a iniciativa privada, com base em análise subestimada, em prejuízo da União Federal, que é o poder concedente dos serviços de telecomunicações, e de toda a sociedade brasileira, pelo comprometimento dos novos investimentos a serem feitos para atender as finalidades de universalização dos serviços de acesso à Internet e inclusão digital”, alerta a advogada Flávia Lefèvre, integrante do Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede.

A lógica pressuposta na lei que alterou o regime de concessão para autorização prevê a transição dos investimentos em telefonia fixa para a expansão da banda larga e da telefonia móvel. No entanto, conforme explica Lefèvre, como a metodologia da CP n°05 subavalia as concessões, esses investimentos serão escassos.

“E o pior é que as redes que hoje são públicas passariam a ser privadas, assim como as redes implantadas com base nesses novos investimentos. Ou seja, perdemos a soberania sobre as redes de telecomunicações no Brasil”, explica a advogada. “A prevalecer a metodologia que a Anatel pretende adotar para definir o valor econômico das concessões, a situação de desigualdade no acesso à Internet permanecerá”, complementa.

Bens reversíveis

O valor dos bens reversíveis — infraestrutura concedida às operadoras de telefonia na privatização do Sistema Telebrás em 1998, como a extensa rede de cabos e quase 7 mil imóveis em todo o País — , segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), podem superar o montante de R$ 120 bilhões. A avaliação da Anatel e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) diverge elasticamente dos valores em pelo menos R$ 100 bilhões.

Em nota publicada no mês passado, a CDR já repudiava a CP n°05, uma vez que o órgão regulador se vale da visão funcionalista dos bens reversíveis, representando um prejuízo inadmissível ao erário, logo penalizando a sociedade brasileira. A Coalizão defende a utilização da visão patrimonialista em conformidade com a matéria já julgada no acórdão 2142/2019 do TCU.

“Não podemos deixar que essa CP entre goela abaixo. Ela favorece as operadoras de telefonia e é prejuízo para a sociedade brasileira. Essa infraestrutura que será perdida pode dificultar a implementação de políticas públicas no futuro”, alerta o engenheiro Márcio Patusco, membro da Coalizão Direitos na Rede.

“Como dissemos em nossa contribuição à CP, todas as parcelas do cálculo do valor de migração apresentam inadequações, e faltam alguns termos que não foram considerados. Como por exemplo, o valor do subsídio cruzado que todas as concessionárias usaram para desenvolver serviços em regime privado”, completa.

Ele também aponta outra falha da CP n°5 por não considerar equilíbrio econômico-financeiro dos contratos antes da migração do regime de concessão para autorização.

“Também não está claro como e onde os investimentos advindos da migração irão ser aplicados. O Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT) não indica isso. Não se deve deixar que fique ao arbítrio das concessionárias, senão somente serão escolhidas as alternativas mais rentáveis.”

“De forma geral, conforme apontado pela AC Lacerda Consultoria, existem ainda várias indefinições para aplicação da metodologia proposta na CP, tais como taxas de desconto, método de depreciação, premissas para cálculo do valor presente dos bens, entre outros”, critica Patusco.

A Anatel pretende contratar uma consultoria internacional ainda em 2020 para avaliar e valorar os bens reversíveis. De acordo com matéria publicada no Teletime, o superintendente de Planejamento e Regulamentação da Agência, Nilo Pasquali, disse que processo está sendo feito em parceria com a União Internacional de Telecomunicações (UIT).

STFC e competição

Com a privatização do Sistema de Telebrás e a criação da Anatel em 1998, um dos objetivos declarados era o da universalização do acesso aos serviços de telecomunicações, mais especificamente o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) — o principal daquela década.

A demanda reprimida era alta. O país saltou de 20 milhões de acesso naquele ano para 41 milhões em 2016 — hoje também ofertado não apenas por concessionárias, como também já por autorizatárias.

A AC Lacerda Consultoria apontou que a adaptação do regime deve garantir que usuários em áreas não rentáveis sob a ótica econômico-financeira não sejam desprovidos da oferta desse serviço, pois as empresas gozariam da prerrogativa da descontinuidade, já que estariam atuando sob a perspectiva do regime privado.

“Isso, se não regulado, representaria um enorme retrocesso. Todo histórico de 20 anos das políticas públicas focadas na universalização do STFC, assegurados pelos Contratos de Concessão e sucessivos PGMU [Plano Geral de Metas de Universalização], seriam prejudicados”, informa o relatório.

Em um contexto de assimetrias entre as diversas regiões do país, o poder público é convocado a estabelecer de forma objetiva, evidenciando os fatores, quais áreas são desprovidas de competição; possuem baixo nível; são potencialmente competitivas; e de fato são competitivas.

A Consultoria reforça que Anatel precisa obter dados oficiais sobre esses níveis e fornecer maior detalhamento para apoiar a tomada de decisões baseadas em quesitos quantitativos. “Este é papel do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC)”.

“Quanto às questões concorrenciais, vantagens advirão para as concessionárias que receberem os bens reversíveis, que nunca tiveram em consideração por ocasião da privatização. Nesse sentido é bastante interessante as contribuições da Tim e da Algar, de que as infraestruturas construídas com o saldo da migração sejam compartilhadas com quem não as detêm”, avalia Patusco.

Por Enio Lourenço

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