Manifestação de repúdio à sanção do PLC 79/2016

Mudanças no marco regulatório das comunicações são anseios de longa data da sociedade brasileira e da comunidade do setor. Após a privatização ocorrida em 1998, na qual o serviço de telefonia fixa foi apontado como essencial, inúmeras mudanças inovadoras no cenário de prestação de serviços ocorreram, e vieram estabelecer a necessidade de alterar a regulamentação no sentido de colocar o acesso à internet no foco das políticas públicas e aumentar a penetração da infraestrutura de telecomunicações. Todos sabemos da importância da internet nos dias de hoje, que tem perpassado praticamente todas as atividades da sociedade, desde a informação, serviços públicos e o entretenimento, que culminou com o estabelecimento de sua essencialidade ao cidadão pelo Marco Civil da Internet.

Em 2013, entidades da sociedade civil, que integravam a campanha Banda Larga é um Direito Seu!, apresentaram ao Ministério das Comunicações e à Anatel uma proposta para trazer a banda larga para o centro das políticas públicas de telecomunicações. Estabelecia-se que este serviço deveria ser prestado também em regime público nos locais onde o atendimento não se dá de forma universal, e com a aplicação de tarifas módicas, possibilitadas pelo emprego do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST. Esta proposta, embora tenha despertado interesse, não foi implementada.

No vácuo criado pela falta de atuação do Ministério das Comunicações e da Anatel, algumas outras propostas pelo Legislativo começaram a surgir, e a mais significativa delas foi o PL 3453/2015 na Câmara dos Deputados, que acabou se transformando no projeto de lei PLC 79/2016 no Senado Federal. Com uma série de equívocos conceituais e de implantação em seu bojo, este projeto veio sendo apoiado pelo Ministério da Ciência Tecnologia Inovação e Comunicações – MCTIC, pela Anatel e pelas atuais concessionárias dos serviços, e combatido pelas entidades da sociedade civil, de defesa do consumidor e por variados provedores de internet. Sempre discutido de forma superficial e com audiências públicas no Congresso que não se finalizavam ou não se realizavam, o PLC foi aos trancos e barrancos sendo mantido, mesmo tendo sido objeto de um Mandado de Segurança no STF e sem acolher emendas sugeridas durante o seu trâmite nas casas legislativas. Foi finalmente sancionado pela Presidência da República em 3 de outubro de 2019 pela Lei 13.879/2019.

Pelo seu valor e pelo teor emblemático que representam, os bens reversíveis se revestem, nesta discussão, como o principal ponto de discórdia entre os apoiadores e detratores à adoção do PLC 79. No entanto, em recente decisão do Tribunal de Contas da União – TCU – , por meio do acórdão 2.142/2019 (*5), de 11 de setembro de 2019, após repetidas negativas da Anatel no acompanhamento desses bens, o referido Tribunal manifestou -se no sentido de confirmar anseios da sociedade civil:

“Não impelir as concessionárias a prestar as devidas contas dos bens reversíveis – como vem fazendo a Anatel – significa, em última análise, consentir que se apropriem de parte de patrimônio bilionário sem que tenham pago sequer 1 centavo por isso, bem assim anuir com seu enriquecimento sem causa, em detrimento do interesse público e dos reais proprietários, a partir de sucessivas violações legais e contratuais.”

Como é possível ver, o projeto de lei PLC 79/2016, aprovado no Senado Federal, apoiado pela Anatel e MCTIC, sancionado por lei pela Presidência da República, e o acordão do TCU, são rigorosamente conflitantes. O TCU na defesa do interesse público, e o PLC 79 em favor do repasse dos bens às concessionárias.

As últimas manifestações, tanto do MCTIC quanto da Anatel, pela desconsideração pura e simples do acórdão do TCU, e pela continuidade das atividades da regulamentação do PLC 79, trilham o perigoso caminho da judicialização. Em recente reunião do Conselho Diretor da Anatel, o desacordo em relação à condução do assunto, indica que nem mesmo dentro da agência existe pacificação em torno da questão. Alguns segmentos dentro do setor também se julgam prejudicados com a mudança das regras sem uma discussão aprofundada e com a participação de todas as esferas da sociedade.

Nós da Coalizão Direitos na Rede, que já manifestamos nossa contrariedade em relação aos caminhos ilegais e inconstitucionais adotados pelo PLC 79/2016, manifestamos aqui nosso repúdio à sanção da lei. As mudanças jurídico-regulatórias que serão promovidas a partir de agora poderão prejudicar boa parte da população, que reside em áreas que necessitam de um olhar mais atento do Estado, além de prejudicar o interesse nacional de decidir soberanamente o rumo mais adequado às telecomunicacões do país.

Coalizão Direitos na Rede

25 de Outubro de 2019