Sem promover um debate amplo com a sociedade, o Congresso Nacional quer alterar a forma como são prestados os serviços de telecomunicações no Brasil, reduzir o direito de acesso e abrir mão de uma infraestrutura fundamental para o desenvolvimento do país.
No contexto da crise econômica da Oi e para aliviar a situação das operadoras, está em tramitação o Projeto de Lei nº 3453/15 que altera a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e poderá realizar uma das maiores transformações nas comunicações desde o processo de privatização em 1998.
E o que está sendo proposto?
- Redução das obrigações dos contratos de telefonia fixa: se hoje existe uma rede razoavelmente extensa de telefonia fixa no Brasil e o preço é relativamente barato, isso se deve ao fato de ela ser prestada em regime público de concessão, aplicado aos serviços considerados essenciais para a sociedade e que inclui obrigações de universalização e cobertura, continuidade na prestação dos serviços e rapidez na instalação, e modicidade tarifária (controle do preço das tarifas). Caso o PL3453/15 seja aprovado, passaremos a um modelo de autorização, mais flexível, com menos obrigações para as operadoras e direitos reduzidos para o consumidor. Além de alterar o caráter essencial do serviço, essa mudança gera um impacto econômico sobre o Estado e a população que não está sendo devidamente quantificado.
- Transferência da infraestrutura pública para o setor privado: ao passar para um modelo de autorização, quase toda a infraestrutura das redes de telefonia fixa, que pertencem à União e tem caráter estratégico por ser usada também para levar conexão de banda larga, será “doada” para as operadoras. Em 2025, quando devem terminar os contratos de concessão sem possibilidade de renovação, essas empresas poderão transformar os bens reversíveis que são de propriedade pública em investimentos privados. Estaríamos falando de um valor estimado em 100 bilhões. O PL 3453/15 quer também quer regularizar práticas das empresas que hoje são feitas à margem da lei. As operadoras já usam os recursos públicos da tarifa do telefone fixo para investir na rede de internet, que são privadas, uma forma de subsídio cruzado que é ilegal.
- Proporcionalidade dos bens reversíveis: uma parte significativa da internet que chega a diversas regiões do país usa a infraestrutura de telefonia fixa, que no passado foi concedida às operadoras sob um modelo público e que garante a reversibilidade dos bens, ou seja, ao final do término do contrato os bens retornam à União. Com a convergência dos meios de comunicação, em que as redes passaram a dar suporte a diferentes serviços simultaneamente (telefonia fixa e internet banda larga), essa infraestrutura acaba sendo usada para conexão de internet numa proporção maior que o telefone fixo. O que está sendo proposto no PL 3453/15 é que agora seja considerado reversível apenas a parcela que corresponde hoje ao telefone fixo, uma porção bem menor do que foi concedido no contrato, permitindo que as operadoras tomem para si toda infraestrutura que é pública. Um dos maiores problemas é que em a Anatel consegue calcular com precisão qual seria o valor desses bens.
- Flexibilização dos contratos para áreas onde é constatada a concorrência: sendo que os critérios para decidir se uma determinada cidade ou região tem um mercado concorrente fica a cargo da Anatel. No entanto, a Anatel já demonstrou que é incapaz de manter a competitividade do mercado. Segundo dados da própria agência, somente no Estado de São Paulo, onde está concentrado mais de 45% do mercado de telecomunicações, duas empresas concentram o market share da banda larga fixa: Claro e Telefônica detém 80% do mercado.
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Por que mudar a LGT?
Para o autor do projeto, Dep. Daniel Vilela (PMDB/GO), o atual modelo de concessão da telefonia fixa representa um empecilho para o investimento em infraestrutura.
Ocorre que o prazo final dos contratos de concessão se aproxima. Como os contratos não são renováveis, o deputado acredita que serão reduzidos “os incentivos à ampliação e modernização da rede por parte das concessionárias” e que isso resultaria na piora dos serviços prestados aos usuários. O discurso é de que a flexibilização das regras serviria de estímulo para as empresas a investirem mais no serviço de internet, já que seriam desoneradas das obrigações relacionadas aos contratos de concessão.
Na realidade, o que o Congresso está tentando fazer é destinar recursos públicos para as empresas de telecomunicações e desonerá-las do necessário investimento em infraestrutura de redes sem garantias concretas de que isso se reverta em melhorias para os usuários. Isso em um cenário onde as empresas como Telefônica (Vivo) anunciaram lucros líquidos de 1 bilhão de reais por semestre em 2016.
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A oposição da sociedade civil
Na última terça-feira (25/10), durante a audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), organizações como Proteste, Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização das Telecomunicações (FNDC) mostraram que o PL 3452/15 é incoerente com outras disposições da Lei Geral de Telecomunicações de 1997, do Marco Civil da Internet e da própria Constituição Federal.
Caso seja aprovado, o resultado seria a entrega de mais de 100 bilhões de reais do patrimônio que é de toda a população brasileira, e que não é verdade que se tratam de bens que não são mais valorizados pelos usuários, já que hoje existe tecnologia que permita o uso de pares de fio de cobre da telefonia fixa para o serviço de banda larga.
Já a Anatel alega que o regime privado é o que mais cresce no Brasil, usando o exemplo da telefonia celular. No entanto, como argumentaram as organizações da Coalizão, isso não é garantia de universalização, nem melhoria na prestação do serviço. Ainda, o acesso deve ser considerado um direito de todos e, portanto, deve ser garantido pelo Estado. Isso só seria possível em um regime público ou em um novo regime jurídico de serviços essenciais aplicado à Internet banda larga.
Se um serviço de caráter essencial é prestado unicamente no regime privado — algo expressamente vedado pelos criadores da Lei Geral de Telecomunicações em 1997 — , coloca-se em risco o direito que a população tem de ter acesso a esse tipo de serviço, pois relega a prestação aos interesses comercias da operadora. Se hoje muitas regiões no interior do país não têm acesso à internet, isso se deve ao fato de as empresas não terem interesse comercial em levar conexão a essas áreas remotas, um dos efeitos perversos de medidas de desregulamentação como a proposta pelo PL 3453/15. No mesmo sentido, caso uma empresa pare de operar no país, a infraestrutura não voltaria mais para a União, não há garantia de continuidade no oferecimento.
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As alternativas que propomos
Em vez de acabar com o modelo de concessão da telefonia fixa, afetando também a internet banda larga, deveria ser implementado um modelo de regulação por camadas que institucionalize o direito de acesso à internet e aos serviços de telecomunicações.
A Campanha “Banda Larga é Direito Seu!”, que reúne diversas organizações da sociedade civil preocupadas com a universalização da internet, propõe que a camada de rede (infraestrutura de redes de transporte), seja regulada no regime público, estabelecendo metas de universalização e modicidade tarifária, enquanto a camada de serviços de telecomunicações (oferta do acesso até o usuário final) seja um regime privado.
Além de dar suporte às propostas da Campanha “Banda Larga é Direito Seu!”, a Coalizão Direitos na Rede também propõe em uma nota divulgada aos deputados da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que:
- sejam avaliadas as inconsistências na relação dos bens reversíveis e nos procedimentos de controle e acompanhamento desse bens conforme já foi indicado pelo TCU (ver relatório de auditoria);
- a Câmara dos Deputados envolva a sociedade nas decisões técnicas sobre a Internet, sobre os serviços de telecomunicações e sobre a universalização do acesso, e promova uma reforma da LGT com foco no caráter essencial da internet;
- que não sejam mais propostas “soluções jurídicas ad hoc” e remendos legislativos para resolver problemas das empresas de telecomunicações sem propor uma política global para o setor, com respeito ao direito de acesso (ver texto de posição do Idec e Ibidem);
- o Ministério das Comunicações (hoje fundido com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) retome o debate público sobre um marco regulatório para as telecomunicações, tendo como método participativo a plataforma de criação do Marco Civil da Internet;
- o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) esteja envolvido em qualquer reformulação da LGT que afete o desenvolvimento da internet no país.
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Publicado por Cristiana Gonzalez (CTS/Coalizão Direitos na Rede)